Poluição do ar afeta qualidade do ar em São Paulo
Agência Brasil/Arquivo 07.04.2022
Poluição do ar afeta qualidade do ar em São Paulo

Não há como escapar: a poluição do ar já afeta de maneira severa quase toda a população mundial, segundo um alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS) emitido nesta semana. De acordo com a divisão de saúde das Nações Unidas, 99% de todas as pessoas no mundo respiram um ar que pode ser considerado inadequado. Em meio às muitas polêmicas ambientais promovidas pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), especialistas em saúde e meio ambiente apontam uma falta de coordenação e de políticas públicas que funcionem voltadas ao tema.

David Tsai, gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) lista os eventos que contribuem para que as condições do ar sejam responsáveis por cerca de 50 mil mortes por ano no Brasil, segundo dados da OMS.

"Os veículos, que queimam combustível, emitem poluentes atmosféricos; até o atrito dos pneus sobre as pistas e dos freios, que liberam micropartículas que ficam suspensas no ar, são responsáveis. Elas afetam bastante o sistema cardiorrespiratório e cardiovascular. E no Brasil, há também a característica das queimadas, que afetam bastante a população - provavelmente não em termos numéricos, já que a poluição urbana é 'crônica', mas não deixam de ser um problema principalmente por conta de suas dimensões", explica.

A Dra. Evangelina Vormittag, médica e diretora do Instituto Saúde e Sustentabilidade, explica como essas partículas se abrigam no corpo humano e causam doenças às vezes irreversíveis, como o caso da asma e da bronquite, ou que podem trazer complicações, como a pneumonia.

"As partículas são muito finas, e entram nos nossos pulmões pela respiração, causam inflamação local, desde as vias aéreas superiores, e chegam à função terminal do pulmão. Elas chegam à circulação sanguínea, causando danos em diversos órgãos e sistemas de todo o organismo", afirma.

"Os efeitos não são apenas localizados no trato respiratório. A maioria ocorre no sistema cardiovascular, causando o infarto e o derrame. Vamos lembrar que esse material particulado fino causa o adoecimento e morte. Esse tipo de poluição é líder de adoecimento e morte em todo o mundo", conta ela. A OMS estima que, anualmente, 7 milhões de pessoas morram por complicações causadas pela poluição.

Além dos problemas cardiovasculares e respiratórios, a poluição também está associada a quadros de câncer de pulmão, de bexiga, problemas neurológicos, de sono, no desenvolvimento cognitivo e capacidade pulmonar. Em crianças, cerca de 50% dos casos de pneumonia estão ligados a esse fator.

Um estudo feito na Universidade de Harvard, em 2020, apontou a correlação entre maior incidência de covid-19 em cidades mais poluídas. Evangelina afirma que, em algumas cidades, a mortalidade chegou a ser até 15% maior em razão da qualidade do ar.

"Houve também um agravamento dos casos. Parece meio óbvio, porque se a covid-19 vem pelo ar, teoricamente, onde há mais poluição, o pulmão é mais 'sofrido', então parece obvio que um pulmão mais exposto à poluição do ar poderia ser mais sensível ao alojamento do vírus e à doença ao nível pulmonar, que é justamente onde se inicia".

Falta iniciativa

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Os especialistas afirmam que o país está no escuro nesse aspecto. "Desde 1990, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabeleceu que o Brasil precisa de um sistema de monitoramento da qualidade do ar, uma rede básica em todo o país. Esse seria o primeiro passo para enfrentar a questão, ter uma rede de monitoramento que meça a poluição e te diga qual é o tamanho do problema, qual a concentração de poluentes que temos e assim desenhar medidas que vão fazer o país alcançar essa redução de emissões e, por consequência, uma boa qualidade do ar. E menos da metade dos estados brasileiros conta com essas estações", alerta Tsai.

"É um problema que a gente já sabe que existe há muito tempo, e sentimos todo ano na pele. Mas falta ao Brasil uma tratativa sistemática do problema em termos de política pública. O Brasil não tem uma política nacional de qualidade do ar. Temos de resíduos sólidos, de mobilidade urbana, de biocombustíveis, de mudanças climáticas. Não temos responsabilidades, garantias e sanções bem definidas para implantação de uma gestão da qualidade do ar bem-sucedida", completa.

A Dra. Evangelina diz que uma mudança profunda, que impactaria de forma significativa no dia a dia dos brasileiros só seria possível com a criação dessas diretrizes e o engajamento dos governantes.

"O que vai de fato mudar a situação do ar são políticas públicas que podem fazer a diferença para um local. Exemplo disso é a lei de ônibus em São Paulo, que prevê que a frota municipal paulista substitua o diesel, combustível fóssil, por combustível limpo. O diesel é um dos grandes responsáveis por emissão de material particulado nas cidades, mas a lei ainda não é cumprida", lembra.

"A resolução do Conama não tem força de lei, não tem fiscalização, e não é cumprida e atualizada, e os estados acabam não cumprindo. Os estados são os destinatários do cumprimento dessas leis. Uma das coisas que a população pode fazer é procurar um candidato e votar em quem sabe que pode fazer uma mudança nesse sentido", finaliza.

Ação de inconstitucionalidade

Entre as ações que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF) relacionadas ao meio ambiente, Evangelina ressalta a 6148, que questiona a resolução 491 do Conama que não regulamenta de forma satisfatória os padrões aceitáveis de qualidade do ar.

"Essa ação foi apresentada pela PGR, que entende que a resolução não é protetiva em termos de saúde ambiental, de saúde da população, conforme prevê a Constituição. Isso se deve ao fato dos padrões de qualidade do ar no Brasil serem muito altos, e muito mais altos que os recomendados pela OMS para a proteção a saúde".

A petição foi assinada por Luciano Mariz Maia, vice-procurador-geral da República. "Embora utilize como referência os valores recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2005, a resolução não dispõe de forma eficaz e adequada sobre os padrões de qualidade do ar, prevendo valores de padrões iniciais muito permissivos", disse.

A PGR pede que o STF declare a inconstitucionalidade da resolução e que solicite ao Conama que, em até 24 meses, edite norma com "suficiente capacidade protetiva, corrigindo as distorções apontadas nesta ação e nos documentos que a acompanham, baseando-se em parâmetros objetivos já disponíveis na ciência médica".

** Filha da periferia que nasceu para contar histórias. Denise Bonfim é jornalista e apaixonada por futebol. No iG, escreve sobre saúde, política e cotidiano.

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