Mortalidade materna mais que dobra no estado do Rio de Janeiro
Alex Ribeiro/Divulgação
Mortalidade materna mais que dobra no estado do Rio de Janeiro

“Mamãe está demorando para trazer minha irmã para casa”, repete Manuela, de 3 anos, cerca de quatro meses após a morte de sua mãe, Diana Santos, de 21. A menina a viu pela última vez no dia 15 de dezembro, quando Diana foi para o hospital dar à luz sua irmã, Isabela. Mas, por causa de complicações no parto — houve aspiração de mecônio, como são chamadas as primeiras fezes de um bebê — Isabela morreu logo após nascer, no Hospital Estadual da Mãe, em Mesquita. Com náuseas, dores e cansaço persistentes, Diana chegou a ser transferida para outra unidade, mas morreu quatro dias depois.

"O que eu mais sinto hoje é saudade", diz Gisele Santos, irmã de Diana. "É horrível ter que olhar para minha mãe e vê-la chorando em eventos de família. E como se explica para uma criança de 3 anos que a mãe dela morreu?".

Diana se juntou às alarmantes estatísticas da mortalidade materna, termo que caracteriza a morte de uma mulher durante a gestação ou em até 42 dias após o parto, um dos principais indicadores de saúde coletiva. No estado, durante a pandemia, a taxa de óbitos de mulheres nesse grupo a cada 100 mil nascidos vivos mais que dobrou, saltando de 73,5 em 2019, antes da Covid-19, para 155 em 2021.

Os números são do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) e foram filtrados pela plataforma de informações da Secretaria estadual de Saúde, o Tabnet. As contagens mais recentes podem estar subnotificadas, já que o registro dos óbitos é demorado.

Efeito pandemia

Na capital, de acordo com o painel EpiRio, da Secretaria municipal de Saúde (SMS), o aumento foi de 80,97 mortes para cada 100 mil nascidos vivos em 2019 para 153,4 em 2021. O crescimento foi ainda mais acentuado em outros municípios, como aponta o Tabnet. Em Duque de Caxias, subiu de 97,9 para 267,5 no mesmo período. Já em São Gonçalo, foi de 67,1 para 213,1.

Nos últimos dois anos, o maior fator de risco foi a própria Covid-19 — o município do Rio foi a capital com mais mortes de grávidas pela doença. Devido a seus efeitos sobre o sistema de saúde, o coronavírus também afetou, indiretamente, outros serviços de proteção às mães e às crianças. Mas, para especialistas, o vírus sozinho não explica tudo: falhas de gestão pública favoreceram outras patologias há tempos combatidas, gerando consequências drásticas com a chegada da pandemia.

Diretor da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Rio de Janeiro, Paulo Roberto Nassar destaca o prejuízo causado pela Covid ao pré-natal, imprescindível para uma gravidez saudável:

"Na pandemia, as mulheres ficavam com medo de procurar assistência médica, faziam uma consulta e só voltavam depois de dois meses", pontua. "A demora na vacinação contra a Covid-19 das grávidas e puérperas também atrapalhou. Alguns efeitos da doença estão associados a complicações como tromboses. Ou seja, são gatilhos que podem afetar o sistema imunológico da mulher".

Mas a mortalidade materna vem subindo no Rio desde antes da pandemia. Entre 2018 e 2019, a razão foi de 61,7 para 73,5 em todo o estado, e de 60,6 para 81 na capital.

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A morte de uma gestante ou de uma puérpera geralmente é evitável com consultas preventivas. Elas permitem o diagnóstico precoce de condições que podem afetar tanto a mãe, como hipertensão arterial (pré-eclâmpsia) e diabetes, quanto o bebê, como más-formações e peso inadequado. Na rede pública, o pré-natal é feito nas unidades de Atenção Primária, por equipes de Saúde da Família. O Ministério da Saúde recomenda no mínimo seis consultas antes do parto, mas o número não é consenso.

"Sete consultas é o mínimo do mínimo. Há mulheres com comorbidades que, sobrevindo a gravidez, podem ter a condição agravada. Algumas precisam de 12, 15 consultas. Por questões sociais, de informação, muitas delas nem sabem que precisam de tudo isso", diz Tomaz Pinheiro, professor de Saúde Preventiva e Atenção Básica da UFRJ.

Na capital, a proporção de nascidos vivos com mães que fizeram sete consultas de pré-natal ou mais caiu nos últimos anos. De acordo com o painel EpiRio, alimentado pelo Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), do Ministério da Saúde, o indicador teve seis anos de alta até 2018, quando chegou a 81,3%, e depois começou a cair, atingindo 77,8% em 2020.

Atendimento precário

Para o vereador Paulo Pinheiro (PSOL), presidente da Comissão de Saúde da Câmara, o problema pode estar na qualidade do serviço às gestantes, até o pós-parto:

"A gestante consegue ter acesso a todos os exames pedidos? E muitas maternidades públicas têm altíssima rotatividade, com contratos precarizados e pagamento abaixo do valor do mercado. Há uma carência de equipes treinadas".

Esta é a queixa da família de Diana Santos, que acusa o Hospital da Mãe de negligência. No dia em que perdeu a filha, a jovem teve seu quadro classificado como pouco urgente, dizem os parentes. Antes disso, ela tinha buscado o hospital outras três vezes, tendo sido orientada, segundo a família, a voltar para casa em mais de uma ocasião. Depois de dar à luz, Diana chegou a ser transferida para o Hospital Estadual da Mulher, em São João de Meriti, mas não resistiu. O caso foi registrado na 53ª DP (Mesquita). A Polícia Civil não se manifestou.

Por nota, o hospital diz que todas as vezes a paciente foi embora sem realizar os exames prescritos. Já a família afirma que o aparelho do exame estava quebrado. O Hospital da Mãe informa ainda que abriu sindicância e identificou necessidade de “melhor orientação junto às pacientes à espera de internação”.

A Secretaria municipal de Saúde afirma que o percentual da população coberta por equipes de Saúde da Família caiu para menos de 40% durante a gestão de Marcelo Crivella, que não se pronunciou sobre o tema. Outro fator por trás da alta , diz a pasta, seria a alta vulnerabilidade social da população, causada pela crise econômica, que impacta no número de nascidos vivos. Segundo a SMS, além de contratados profissionais, teve início, em 2021, o Plano Municipal de Enfrentamento da Mortalidade Materna.

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