Estudos mostram como as dívidas impactam na saúde cardiovascular e mental; entenda
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Estudos mostram como as dívidas impactam na saúde cardiovascular e mental; entenda

A realidade de alta inflação, com o acumulado nos últimos 12 meses acima de dois dígitos, taxa elevada de desemprego e crise econômica levam o país a contar com uma fatia considerável de brasileiros endividados. O cenário afeta o bolso, mas também a saúde, apontam estudos.

E os impactos vão muito além dos já conhecidos, como aumento de ansiedade e depressão, sendo associados também a um risco maior para doenças cardiovasculares e a um sistema imunológico enfraquecido para combater infecções, alertam especialistas.

De acordo com uma pesquisa realizada pela International Stress Management Association no Brasil (ISMA-BR), para 78% dos brasileiros a incerteza financeira é a principal causa de preocupação.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO explicam que esse estado de alerta permanente promove um quadro de estresse crônico que, consequentemente, provoca uma liberação constante de hormônios.

"São hormônios que respondem ao estresse físico, sendo liberados durante exercícios, por exemplo, mas que também respondem ao estresse psíquico, como é o caso do endividamento. É o caso da adrenalina, do cortisol e seus derivados, que aumentam a frequência cardíaca e a pressão arterial" , explica a endocrinologista Ana Carolina Nader, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia do Rio de Janeiro (SBEM - RJ).

Esse desequilíbrio na circulação causado pelos hormônios leva o risco para doenças cardiovasculares, e até mesmo de morte, a ser quase o dobro para adultos sem uma renda extra, mostrou um estudo conduzido por pesquisadores suecos, publicado na revista científica BMC Public Health.

"Hoje nós temos diversos trabalhos mostrando esse verdadeiro eixo entre cérebro e coração. Esses mecanismos desencadeados pelo estresse levam a espasmos de vasos do coração, aumentando o risco de infarto e de acidente vascular cerebral (AVC). No caso de pessoas que já têm predisposição a doenças cardiovasculares, o quadro é piorado na fase de estresse", afirma a cardiologista Salete Nacif, diretora da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (SOCESP).

Os maiores impactos são entre os mais velhos. Um estudo do Centro de Pesquisa de Finanças Pessoais (PFRC) da Universidade de Bristol e do Instituto Internacional de Longevidade do Reino Unido (ILC-UK) mostrou que aqueles que estão lutando para gerenciar suas finanças com mais de 50 anos são oito vezes mais propensos a ter níveis reduzidos de bem-estar mental do que as pessoas na mesma faixa etária com melhores condições econômicas.

Porém não são restritos a essa faixa etária. Pesquisadores da Universidade de Colorado Denver, da Dartmouth College e da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, descobriram que os impactos podem chegar cedo na vida.

Com base na análise de dados coletados entre 1994 e 2018, de mais de 4 mil pessoas que ao fim tinham até 44 anos, o estudo constatou que o risco para desfechos cardiovasculares foi consideravelmente maior entre aqueles que fizeram um empréstimo ou estavam constantemente endividados em relação aos que já fizeram um empréstimo, mas que foi pago, ou que nunca se endividaram.

Além do perigo para o coração, Ana Carolina acrescenta que há hormônios ligados à liberação da glicose que atuam para gerar mais energia quando o estresse é físico, mas no caso da preocupação crônica pela situação financeira podem estar por trás de quadros de hiperglicemia em pessoas diabéticas ou com genética suscetível à doença.

Maior risco para infecções

O estresse crônico também fragiliza o sistema imune. Segundo um novo estudo, publicado na revista científica Nature, esse impacto acontece porque ele ativa neurônios de uma região chamada de hipotálamo paraventricular.

Essa área impulsiona uma migração de células imunes em larga escala dos linfonodos – estruturas que funcionam como filtros para agentes infecciosos – para o sangue e a medula óssea.

Esse mecanismo diminui a ação dos agentes de defesa no combate a infecções. Para chegar a essa conclusão, especialistas realizaram um experimento com camundongos em que os animais foram expostos aos vírus da influenza e da Covid-19. Os grupos sob estresse tiveram menor ação do sistema imune, quadros mais graves da doença e índices maiores de óbito.

“Esse trabalho nos diz que o estresse tem um grande impacto em nosso sistema imune e na sua habilidade de combater infecções. Ele levanta muitas questões sobre como fatores socioeconômicos, estilos de vida e o ambiente em que vivemos controlam a forma como nossos corpos conseguem se defender", disse o autor do estudo Filip K. Swirski, do Instituto de Pesquisa Cardiovascular da Escola de Medicina Icahn do Mount Sinai, em Nova York, em comunicado.

Além disso, uma equipe liderada por pesquisadores da Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos, descobriu que o estresse contínuo pode acelerar o envelhecimento do sistema de defesa. 

Publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), o estudo observou que a realidade leva a uma diminuição acelerada no número das células T chamadas de imaturas, que conseguem responder melhor a novos vírus e bactérias. É a diminuição que leva, por exemplo, os idosos a serem mais vulneráveis a infecções, processo que acontece mais rápido sob estresse.

Ana Carolina, da SBEM-RJ, explica que um dos motivos para isso acontecer é porque o cortisol, um dos chamados “hormônios do estresse”, além de aumentar os riscos cardiovasculares, tem um efeito imunossupressor no organismo, reduzindo as barreiras de defesa.

"Ele funciona mediando uma série de funções no corpo, e aumentado no corpo promove alterações nos sistemas imunológicos, diminuição das defesas e sintomas relacionados a essa queda, como cansaço e fadiga", afirma a endocrinologista.

Impactos na saúde

 Há ainda as consequências mais conhecidas, porém não menores, das dificuldades financeiras: os impactos para a saúde mental. E esses quadros acentuados de ansiedade e depressão tornam mais difícil sair de uma situação de endividamento, constatou um estudo publicado na revista científica International Journal of Social Psychiatry.

"Torna-se um ciclo vicioso, porque os impactos do estresse financeiro na saúde mental deixam a pessoa cada vez mais debilitada para lidar com a sua situação econômica. Quando a equação saúde física e financeira é positiva, isso estimula a pessoa a planejar e organizar a sua vida. O que não acontece quando ela é negativa", explica a doutora em psicologia clínica, Ana Maria Rossi, presidente da ISMA - BR e diretora da clínica de Stress e Biofeedback.

Além disso, ela destaca que, em casos mais graves, esses quadros de saúde mental fragilizada pela situação financeira podem levar a cenários de abusos de substâncias, como álcool e remédios. Isso porque algumas pessoas acabam buscando uma forma de se “anestesiar” para lidar com a situação, explica a diretora da ISMA-BR.

 Para amenizar esses impactos do estresse crônico no corpo e na mente, as especialistas destacam que é preciso atuar em duas frentes: maneiras de organizar as finanças e formas de melhorar a saúde do corpo.

"Parte importante é o diálogo com a família, porque envolve gestão do orçamento e, em muitos casos, contenção de gastos. Pode ser necessária também uma orientação especializada, nesse caso iniciativas voluntárias são melhores para não gerar um novo gasto", diz Ana Maria.

Para ter condições de pensar sobre o problema de forma prática e racional, a psicóloga reforça que é importante priorizar um sono reparador, sem que os problemas sejam levados para a cama. Isso porque noites mal dormidas também agravam os riscos de doenças cardiovasculares, aumentam a gordura abdominal e visceral e levam a uma rotina de fadiga que dificulta a realização de atividades como trabalho e gestão das finanças durante o dia.

"Como medidas preventivas para os desfechos cardiovasculares temos que pensar em dietas saudáveis, pobres em gordura e em sal e ricas em frutas e verduras, além de atividade física regular, com pelo menos 150 minutos de atividade aeróbica por semana", orienta a cardiologista Salete Nacif.

Para aqueles que podem ter dificuldades de encaixar o exercício físico na rotina, Ana Maria Rossi sugere que uma boa saída é aproveitar os momentos do dia em que é possível utilizar escadas no lugar de elevadores ou descer alguns pontos antes do ônibus para fazer uma caminhada. Embora não seja muito, o exercício já promove uma ajuda significativa, diz a diretora da clínica de Stress e Biofeedback.

No entanto, os especialistas lembram que em casos mais acentuados de problemas de saúde mental e de efeitos na circulação, como dores no peito, taquicardia constante e pensamentos autodepreciativos, é indispensável a busca por uma ajuda médica especializada.

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