Um dos fatores que levantou suspeitas sobre o anestesista Giovanni Quintella Bezerra, de 31 anos, preso por estupro durante uma cesárea no último domingo, em São João de Meriti, no Rio de Janeiro, foi o uso excessivo de sedação para realizar o procedimento. Em depoimento, uma das enfermeiras do Hospital da Mulher, que estava de plantão no dia da prisão, afirmou que Giovanni utilizou “um frasco de Propofol” em quantidades superiores às normalmente utilizadas por outros anestesistas.
A substância, embora uma das mais utilizadas em cirurgias que demandam anestesia geral, é incomum durante a cesariana justamente por provocar um quadro forte de sedação. Além disso, devido à série de riscos na aplicação inadequada ou excessiva, o uso é restrito a hospitais e profissionais da saúde. A intoxicação aguda com o Propofol foi, por exemplo, a causa de uma parada cardíaca que levou o cantor Michael Jackson à morte, em 2009.
Na época, o medicamento foi administrado em casa pelo médico do artista, o cardiologista Conrad Muray. O ato levou o profissional a ser acusado de negligência e indiciado por homicídio culposo – quando não há intenção de matar. Em 2011, Muray foi condenado a quatro anos de prisão. Dois anos depois, ele foi liberado e recuperou o direito de exercer medicina.
No caso do anestesista preso por estupro no Rio, a Polícia Civil afirmou que apura se ele utilizava uma quantidade excessiva do sedativo nas vítimas, o que facilitaria os abusos. O marido de uma das mulheres que passaram por uma cesárea no último domingo com Giovanni chegou a questioná-lo sobre o procedimento. “Ela vai dormir por quê?”, perguntou, ao que o médico respondeu se tratar de um procedimento padrão.
No entanto, os procedimentos anestésicos mais comuns durante uma cesariana são a peridural e a raquianestesia, que impedem a mulher de sentir a dor na região da cirurgia, mas não a deixam sedada. Isso é importante justamente por organizações de saúde preconizarem o contato do bebê com a mãe na primeira hora de vida.
Em documento de orientações anestésicas, a Maternidade-escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) reforça, por exemplo, que a anestesia geral deve ser considerada na cesárea apenas em casos de “falha da anestesia regional; recusa da paciente e contra-indicações de bloqueios regionais”. Logo, o Propofol, por ser um potente sedativo, não faz parte do procedimento padrão.
"Sedação não é uma prática comum em paciente obstétrica. O primeiro contato do bebê com a mãe é muito importante e precisa ser preservado", defendeu a anestesista Mônica Maria Siaulys, diretora médica do Grupo Santa Joana, ao GLOBO em entrevista na terça-feira.
Riscos do Propofol
De acordo com a bula, o Propofol é utilizado “para indução e manutenção de anestesia geral em procedimentos cirúrgicos”, fazendo com que “o paciente fique inconsciente ou sedado”. Os principais efeitos colaterais, esperados quando o uso é necessário, são diminuição da pressão arterial, náuseas, vômitos, diminuição dos batimentos cardíacos e dores de cabeça.
Ele atua em aproximadamente 30 segundos, por meio da inibição de neurotransmissores no cérebro que levam a pessoa a “desligar”. O seu efeito potente leva a substância a ser utilizada em uma série de procedimentos cirúrgicos que demandam anestesia geral, mas de forma correta e segura.
Porém, quando administrado além do recomendado ou em casos repetidos sem indicação médica, como foi com Michael Jackson, oferece uma série de riscos. Isso porque, segundo a bula, o Propofol reduz o fluxo sanguíneo cerebral, a pressão intracraniana e o metabolismo cerebral. Isso provoca uma diminuição na respiração e nos batimentos cardíacos, o que pode ocasionar quadros de parada cardíaca ou respiratória e, eventualmente, à morte – como aconteceu com o cantor.
Por isso, drogas como o Propofol não estão disponíveis em farmácias convencionais, e podem ser administradas apenas por profissionais da saúde em hospitais. Quando utilizadas, o paciente é constantemente monitorado pelo anestesista responsável. Por precaução, também são contraindicadas a menores de três anos, pacientes com hipersensibilidade a qualquer componente da fórmula ou com infecção grave do trato respiratório.
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