Trator abre covas para mortos por Covid-19, em Manaus
Michael Dantas/Divulgação
Trator abre covas para mortos por Covid-19, em Manaus


O auge da pandemia de  Covid-19 foi um período onde diversos países do mundo sofreram com a sobrecarga dos seus respectivos sistemas de saúde e, consequentemente, com um grande número de mortes em decorrência da doença. 

Contudo, um estudo conduzido por cientistas e médicos de diversas regiões apontou que a Covid foi duas vezes mais mortal em países de baixa e média renda do que em países desenvolvidos. 

Os resultados e conclusões da pesquisa foram publicados  no BMJ Global Health, importante periódico do Reino Unido voltado a artigos de medicina.

O grupo de pesquisadores foi liderado por Gideon Meyerowitz Katz, epidemiologista da Universidade de Wollongong, na Austrália. Eles analisaram dados de infecções e mortalidade coletados em 25 países em desenvolvimento entre abril de 2020 e fevereiro de 2021, um contexto onde ainda não havia vacinação contra o coronavírus nestes países.

Os cientistas, então, calcularam o IFR (taxa de mortalidade por infecção, em tradução livre) das nações de baixa e média renda. Ao observarem os resultados, eles verificaram que os IFRs por idade específica foram duas vezes maiores nos países em desenvolvimento do que nas nações desenvolvidas. Estudos anteriores feitos pelo grupo já tinham calculado essa taxa em países mais ricos.

Eles observaram também que a soroprevalência, quantidade de anticorpos contra determinada doença, era muito semelhante entre jovens e idosos nestes locais. 

Isso significa que as pessoas mais velhas se contaminaram da mesma maneira que os mais jovens em nações de baixa e média renda, aponta Ana Carolina Peçanha, médica intensivista brasileira do Hospital das Clínicas de Porto Alegre e coautora do estudo.

“Esse resultado deixou claro as dificuldades dos países em desenvolvimento de proteger os idosos do contágio. A gente sabe que muitos desses idosos precisam trabalhar para sobreviver, e muitos deles coabitam domicílios com os mais jovens sem a possibilidade de isolamento, muitas vezes morando em casas com apenas um dormitório”, destacou Peçanha. 

Em contrapartida, nos países desenvolvidos a prevalência de anticorpos diminuía com o avançar da faixa etária analisada. “Isso mostra que, nestes locais, os idosos foram mais protegidos da contaminação pelo vírus.”

Doutora em Ciências Pneumológicas, Ana lança luz ainda para problemas estruturais de acesso aos sistemas de saúde nos países de baixa e média renda, onde se encaixa o Brasil.

“É bem possível que a mortalidade atribuída à Covid-19 mais elevada nesses países em desenvolvimento represente, então, problemas de acessos à saúde, uma vez que a população tem acesso a menos recursos, tanto terapêuticos como de prevenção”, enfatiza.

Convite para participar de estudo e gravidez na pandemia

Ana explica que foi convidada por Gideon Katz para ser coautora da pesquisa após eles se conhecerem nas redes sociais. Os profissionais da saúde ficaram conhecidos por suas análises críticas de artigos relacionados à Covid e, após algumas conversas, o epidemiologista entendeu que seria importante ter uma médica da linha de frente da pandemia no Brasil no seu grupo de pesquisadores.

“Eu fui contatada por ele e por um grupo que estava fazendo uma coleta de avaliação de soroprevalência em países em desenvolvimento. Ele me convidou por saber que eu era médica da linha de frente e que eu conhecia o sistema de saúde do Brasil e as suas complexidades”, explicou.

A médica intensivista relata que no início da pandemia se mostrava ceticista em relação às proporções que a doença poderia tomar, uma vez que em Porto Alegre os casos eclodiram somente por volta de maio de 2020. “Nem sonhava que seria da forma que foi.”

Neste período ela descobriu que estava grávida do segundo filho e passou a trabalhar de forma remota. Ana atuou no contato com familiares dos pacientes que estavam internados.

“Uma das minhas atividades era dar notícias para as famílias dos pacientes, porque visitas não eram permitidas e naquela época a gente não tinha uma ideia clara de como se dava a transmissão do vírus da Covid, ainda usávamos muito bloqueio de contato”, afirmou. 


“Um colega meu nessa época dizia ‘a gente não vai conseguir salvar todos esses pacientes, mas a gente pode salvar 100% das famílias’. Então foi um desafio eu aprender a dar notícias de forma remota, por videochamada ou por telefone, inclusive notícias de óbitos. Mas foi nisso que eu me esmerei, em transmitir as notícias diariamente da maneira mais humanizada possível.”

O filho de Ana nasceu em setembro de 2020 e ela conta que, em meados de fevereiro de 2021, passou a receber muitos relatos de colegas de trabalho falando sobre a sobrecarga no sistema de saúde gaúcho diante do aumento do número de casos graves da doença. 

“Eu vi os meus colegas extremamente queixosos da carga excessiva de trabalho, alguns ameaçando abandonar a profissão e muito desmotivados. Eu ouvi pessoas dizendo que estavam ‘secando gelo', sem ter o que fazer. As pessoas estavam se sentindo impotentes com o número crescente de óbitos.”

O retorno ao hospital

A profissional da saúde solicitou à chefe o retorno ao hospital diante da situação crítica das UTIs de Porto Alegre, mesmo com mais um mês de licença maternidade para cumprir. Ela contou com o apoio do marido para tomar a decisão e estava muito preocupada com a possibilidade dele ser contaminado pela doença.


Assim que voltou para as atividades presenciais, Ana foi vacinada. Ela foi convidada a exercer um cargo de gestão clínica no hospital Independência de Porto Alegre para coordenar uma UTI que foi aberta emergencialmente com 28 leitos de covid.

"Eu olho para trás e nem acredito que a gente conseguiu superar essa fase. Porque realmente foi muito difícil, era muito trabalho, nós perdemos muitos pacientes e era muito doloroso e emocionalmente pesado. E a gente conseguiu."

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