Conhece a PrEP?  Entenda a terapia de prevenção do HIV que será oferecida no SUS

Medicação gratuita ficará restrita às pessoas que se encaixam no grupo de vulnerabilidade e, inicialmente, será distribuída em apenas algumas cidades do País; com o acompanhamento médico, terapia é capaz de prevenir casos

Foto: Marcello Casal/Arquivo/Agência Brasil
Terapia para prevenção ao HIV deverá ser oferecida pelo SUS a partir desta semana nas cidades selecionadas

A cada 100 mil brasileiros, 18 são soropositivos. Apesar da incidência ter diminuído 5,2% entre 2015 e 2016, hoje, cerca de 830 mil pessoas estão vivendo com HIV, sendo que 112 mil ainda não sabem disso, conforme informou o último Boletim Epidemiológico de HIV/Aids, divulgado pelo Ministério da Saúde, no início de dezembro. 

Desse modo, mesmo depois de 35 anos da identificação da doença, a epidemia do HIV continua sendo um desafio a ser vencido no Brasil e no mundo. Durante todo esse tempo, a única forma de prevenção recomendada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) era o uso de preservativos, que, tendo em vista a atual prevalência dos casos, se mostrou insuficiente para a erradicação.

Na tentativa de diminuir a incidência de infecções, que voltou a crescer nos últimos anos, a rede pública de saúde passará a oferecer gratuitamente, a partir deste mês, a profilaxia pré-exposição (PrEP) , que funciona como uma terapia capaz de prevenir a infecção pelo HIV.

“Esse é um momento histórico”, avalia o infectologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Ricardo Vasconcelos. “Acho que a disponibilização da PrEP é fundamental quando a gente pensa em uma estratégia eficiente de enfrentamento da epidemia do vírus no Brasil. Nos últimos 35 anos, foi possível perceber que o mesmo discurso focado no mantra ‘use camisinha’ não funcionou, ou apenas funcionou parcialmente”.

Para ele, a nova medida se aproxima muito mais da realidade das pessoas que fazem parte de grupos de vulnerabilidade, como aquelas que não conseguem usar preservativo por diversas questões sociais e culturais. “A profilaxia traz um discurso diferente do controle da vida sexual do indivíduo. Com a chegada da PrEP no SUS , a pessoa terá autonomia para escolher a melhor alternativa para se prevenir”, analisa Vasconcelos.

A medida vem para evitar a infecção, conforme ressalta a consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia e do Ministério da Saúde, Rosana Del Bianco. “É preciso deixar bem claro que a profilaxia não é uma ‘pílula do dia seguinte’. Seu uso será por um longo período, o que faz com que as pessoas tenham um envolvimento maior para assumir o tratamento”.

O medicamento

A novidade na rede pública coloca o Brasil ao lado de países como Estados Unidos, Canadá e França, que já adotaram a PrEP. No entanto, poucas são as nações que oferecem o medicamento gratuitamente.

“A medida nos atualiza dentro das políticas de prevenção ao HIV no mundo todo”, avalia o vice-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA), Veriano Terto Júnior. No entanto, o especialista chama atenção para desafios e preocupações que podem surgir com a implementação da medida.

Contudo, um dos problemas que pode ser enfrentado é o preço do medicamento. Até o momento, a patente do remédio - que é bastante caro - foi negada no Brasil. Mas a empresa que detém o monopólio está recorrendo, e, caso a situação seja revertida, o preço pode ficar inviável”, explicou o representante da ABIA.

O medicamento que será utilizado na PrEP é o Truvada, que já é comercializado em território nacional desde 2010. Os pacientes que adquirem o remédio na rede privada precisam de prescrição médica, além de pagar R$ 290 pela caixa com 30 comprimidos, quantidade suficiente para um mês.

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Como funciona

O Truvada é uma droga que combina outras duas já conhecidas no tratamento do HIV:  o tenofovir associado à emtricitabina. O remédio não bloqueia a infecção pelo vírus, mas multiplica as células do sistema imunológico. Dessa forma, ao ser tomada uma vez ao dia, sem interrupções, a medicação age para destruir o processo de reprodução do vírus.

No entanto, para que o efeito esteja assegurado, os homens precisam tomar o Truvada por, pelo menos, sete dias. Já as mulheres só terão a proteção garantida depois de 20 dias, segundo informações do Ministério da Saúde.

Foto: Creative Commons
Medicação já está disponível no Brasil desde 2010, na rede privada; o custo mensal com o remédio é de R$ 290

Assim como muitos medicamentos que são tomados por período prolongado, é possível que quem utiliza a droga sofra com alguns efeitos colaterais. “Estes efeitos são pequenos e não impedem que a pessoa tome a medicação, na maioria dos casos”, assegurou a médica e professora do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), Maria Amélia de Sousa Mascena Veras.

Frequente em até 20% dos casos, é possível que o paciente tenha sintomas comuns que acontecem, geralmente, quando se está iniciando um tratamento. “A pessoa pode ter um pouco de gastrite e refluxo, mas isso melhora em um mês”, garante Vasconcelos.

Porém, o médico alerta que, em alguns casos mais raros, é possível que cause problemas renais e, consequentemente, ósseos. É por isso que o acompanhamento médico é fundamental para a distribuição do remédio. “Com o rastreamento e os exames realizados periodicamente, os médicos são orientados a suspender o tratamento, até que a situação seja normalizada e o medicamento volta a ser introduzido”, explica o infectologista da FMUSP.

A avaliação médica antes e durante a utilização da droga é um dos requisitos obrigatórios para adquirir o Truvada pelo SUS. O paciente precisa ser examinado e ter certeza de que não está infectado pelo vírus antes de iniciar o tratamento, porque caso isso aconteça, o uso da medicação pode fazer com que o HIV fique superresistente aos antirretrovirais.

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Quem recebe

Para ter acesso à PrEP, é preciso que  a pessoa se encaixe dentro de grupos de vulnerabilidade, como profissionais do sexo, transexuais, casais sorodiferentes - quando apenas um deles possui o vírus - e homens que fazem sexo com homens.

Ricardo explica que a restrição tem fundamento. “Ao considerarmos toda a população brasileira, a chance de uma delas viver com HIV é de 0,5%. Já ao avaliar apenas a população transexual e travestis, as chances são de mais de 30%", elucida. 

Segundo as informações apresentadas no Boletim Epidemiológico, a taxa de contágio entre as mulheres caiu, diferente do que aconteceu com a parcela masculina, sobretudo entre homens que mantêm relações sexuais com outros homens. Entre eles, houve uma alta de 33% nos últimos 10 anos.

No ano passado, a proporção foi 22 diagnósticos confirmados em homens para cada 10 casos em mulheres. Além disso, a incidência quase triplicou entre os homens de 15 a 19 anos, passando de 2,4 casos para 6,7 casos por 100 mil habitantes na década analisada. Entre os homens com 20 a 24 anos, a taxa passou de 16 casos de aids por 100 mil habitantes, em 2006, para 33,9 casos, em 2016. 

Outras DSTs

Assim como o anticoncepcional, que é utilizado pelas mulheres que querem prevenir a gravidez, mas não garante imunização a outras Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), a PrEP também não protege de sífilis, gonorreia, HPV ou hepatite B, por exemplo.

“Na realidade, a PrEP veio para ajudar na prevenção combinada. Se tirar a camisinha, o indivíduo fica exposto às DSTs”, ressalta Rosana, colocando em pauta um possível obstáculo na adoção do tratamento.

Mas Ricardo Vasconcelos lembra que as pessoas que irão receber o medicamento pelo SUS já estavam expostas ao vírus, pois são pessoas que não usam preservativo. “Com o acompanhamento para o uso da PrEP, essas pessoas terão a oportunidade de serem testadas e avaliadas periodicamente, e isso poderá, inclusive, ajudar a aumentar o diagnóstico para outras DSTs”, explica ele.

Para conseguir a PrEP gratuitamente, é preciso que o indivíduo vá até algum serviço do SUS que já trabalha com prevenção da doença, como Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA) ou Serviços de Assistência Especializada em HIV (SAE).

Conforme anunciou o Ministério da Saúde, a distribuição do medicamento será gradativa. Na primeira fase da oferta, apenas Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, Manaus, Brasília, Florianópolis, Salvador e Ribeirão Preto participarão. A expansão deve acontecer para todo o país durante 2018.

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