Dor, sofrimento e tristeza marcam profissionais de saúde na pandemia, diz estudo

Quase 70% dos trabalhadores da área no país reprovam atuação de autoridades durante a pandemia, revela pesquisa

Foto: Paula Adamo Idoeta - Da BBC News Brasil em São Paulo
Dor, sofrimento e tristeza marcam profissionais de saúde na pandemia, diz estudo

Por trás de cada Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) lotada, há médicos, enfermeiros e técnicos da saúde esgotados. Para além de jornadas extensas, os profissionais da saúde sofrem com a perda de pacientes, colegas e parentes, e tiveram suas rotinas transformadas por completo durante este ano inteiro de pandemia.

Estes são alguns dos resultados da pesquisa Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da Covid-19, realizada pela Fiocruz em todo o território nacional e divulgada neste domingo. O mais amplo levantamento das condições de trabalho dos profissionais de saúde durante a pandemia avaliou as transformações e durezas enfrentadas por esses trabalhadores durante os últimos 12 meses, incluindo aspectos físicos, emocionais e psíquicos.

Segundo os resultados, a pandemia alterou de modo significativo a vida de 95% dos profissionais da saúde. Quase metade dos profissionais citaram excesso de trabalho ao longo da crise, com jornadas para além de 40 horas semanais, e  um elevado percentual (45%) disse precisar de mais de um emprego para sobreviver.

A atuação dos profissionais na linha de frente é marcada pela dor, sofrimento e tristeza, com fortes sinais de esgotamento físico e mental — disse a coordenadora do estudo, Maria Helena Machado. — Trabalham em ambientes de forma extenuante, sobrecarregados para compensar o elevado absenteísmo. O medo da contaminação e da morte iminente acompanha seu dia a dia.

Quase 70% dos profissionais da saúde consultados reprovam os posicionamentos das autoridades sanitárias durante a pandemia, os considerando inconsistentes e não esclarecedores.  Três em cada quatro profissionais de saúde relataram ter tido contato com pacientes com crenças enganosas sobre a pandemia, e mais de 90% dos entrevistados disseram que notícias falsas, como a promoção de remédios inúteis contra a Covid, são um problema durante a pandemia.

Cerca de 43% dos profissionais de saúde disseram não se sentir protegidos no trabalho. A principal razão para isso, de acordo com 23% deles, se relaciona à falta e à inadequação do uso de Equipamentos de Proteção Individual. Mais da metade dos profissionais (64%) disse ter sido necessário improvisar equipamentos.

Mais de 25 mil pessoas participaram do estudo, incluindo 16 mil das profissões da área da saúde. As demais categorias incluem técnicos, auxiliares e trabalhadores de nível médio.

Quase um quinto dos participantes do estudo (18%) citou medo de se contaminar no trabalho (18%), enquanto 15% disseram não haver uma estrutura adequada para a realização da atividade e 12,3% citaram uma escassez da capacidade de internação. O despreparo técnico dos profissionais para atuar na pandemia foi citado por 11,8%, enquanto 10,4% denunciaram a insensibilidade de gestores para suas necessidades profissionais.

Foram observadas consequências na saúde mental daqueles que atuam na assistência aos pacientes. Segundo a pesquisa, as alterações mais comuns no cotidiano dos profissionais foram perturbação do sono (15,8%), irritabilidade e crises de choro, (13,6%), incapacidade de relaxar ou estresse (11,7%), dificuldade de concentração (9,2%) e perda de satisfação na carreira ou na tristeza (9,1%).

Quando questionados a respeito das principais mudanças na rotina profissional, 22,2% declararam conviver com um trabalho extenuante. Apesar de 16% de esses profissionais apontarem alteração referente a aspectos de biossegurança e contradições no cotidiano, a mesma proporção relatou melhora no relacionamento entre as equipes. O estudo demonstra ainda que 14% da força de trabalho que atua na linha de frente do combate à Covid-19 no país está no limite da exaustão.

O estudo verificou que 40% dos entrevistados sofreram algum tipo de violência em seu ambiente de trabalho. Além disso, são vítimas de discriminação na própria vizinhança (33,7%) e no trajeto trabalho/casa (27,6%).

"As  pessoas consideram que o trabalhador transporta o vírus, e, portanto, ele é um risco. Se não bastasse esse cenário desolador, esses profissionais de saúde experienciam a privação do convívio social entre colegas de trabalho, a privação da liberdade de ir e vir, do convívio social e do convívio familiar", afirmou Machado.