Associação orienta médicos sobre qual paciente escolher em caso de falta de UTI

Documento apresentado pela Associação Médica Brasileira define critérios para a seleção de pacientes caso faltem respiradores, oxigênio ou vagas de tratamento intensivo, por exemplo

Foto: SILVIO AVILA
Associação orienta médicos sobre qual paciente escolher em caso de falta de UTI

Em meio aos sucessivos recordes diários de mortes na pandemia, a Associação Médica Brasileira (AMB) apresentou, na manhã desta sexta-feira, protocolos éticos para orientar médicos que se vejam obrigados a decidir qual paciente deve receber tratamento em caso de escassez de leito de UTI, insumos ou equipamentos nos hospitais.

A AMB definiu um sistema de pontuação, composto por indicadores de saúde do paciente, segundo o qual o médico deverá se basear para selecionar quem deve receber o tratamento ou não. O método serve tanto para pacientes de Covid-19 quanto para quem precisar dos mesmos recursos. Com o esgotamento de vagas de tratamento intensivo, pessoas com diferentes problemas de saúde passaram a "concorrer" entre si por atendimento.

A pontuação é resultado da soma de três critérios: o chamado "Sofa" (sigla em inglês para Avaliação de Falência de Órgão Sequencial) — o escore mais utilizado em Unidades de Tratamento Intensivo, que avalia as funções respiratória, hematológica, hepática, cardiovascular e neurológica do paciente —; a presença de comorbidades avançadas no paciente; e o "Ecog", uma escala utilizada para medir a qualidade de vida do enfermo.

A associação descartou a recomendação do critério de idade para triar os pacientes. Também justificou que a ausência de um sistema de triagem apropriado, quando medidas de contingência forem esgotadas, pode contribuir com o aumento de mortes "desnecessárias" e que precisou antecipar a publicação dos protocolos em razão da pandemia.

"Outro objetivo que norteia a necessidade desse protocolo é o de proteger os profissionais que estão na linha de frente do cuidado ao retirar de suas mãos a responsabilidade de tomar decisões emocionalmente e moralmente exaustivas. Além disso, a utilização de um protocolo de maneira consistente pelas diversas instituições de saúde garante que um maior número de pacientes seja igualmente sujeito aos mesmos critérios chancelados pelas autoridades responsáveis tanto pelo zelo técnico-científico quanto o ético-legal do processo", informa o documento, que deve começar a orientar médicos de todo o país a partir desta sexta-feira.

César Eduardo Gomes, presidente da AMB, disse que o documento já existia, mas que precisou ser rediscutido para a situação atual da disseminação do coronavírus no Brasil. O país enfrenta o estágio mais crítico da pandemia. Apenas no mês de março, mais de 60 mil pessoas morreram em decorrência da doença.

"A Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira) enviou esse documento para a gestão anterior da AMB, mas, por alguma razão, ele não prosperou. Achamos por bem novamente trazer esse assunto", declarou Gomes.

Suzana Lobo, presidente da Amib, afirmou que a associação vem alertando há meses sobre o risco de abertura de novos leitos de UTI como "principal medida de mitigação da pandemia" implementada por governos estaduais e prefeituras.

"A pandemia deveria ter sido controlada fora dos hospitais. Agora chegamos numa situação em que o atendimento à população não é mais digno e suficiente para todos. Agora nós rediscutimos o documento, mas não houve necessidade de revisão de nenhum dos critérios", declarou ela.

Para Gomes, os protocolos terão "acolhimento quase universal" e que não se trata de um documento "imperativo, nem salvaguarda para decisões equivocadas, mas normativo, orientativo".

"A atitudade da AMB foi no sentido de construir um documento para orientar adequadamente o que fazer em determinadas situações. Não tem poder de lei, mas é baseado nas melhores orientações cientificas para otimizar recursos e direcionar quem está na linha de frente", declarou o presidente da Associação Brasileira de Medicina de Emergência (Abramede), Hélio Penna Guimarães.

A associação manifestou preocupação com o estágio da pandemia, principalmente em razão das novas variantes, de maior capacidade de contaminação. Em um período de 12 semanas, por exemplo, a variante P.1, que emergiu em Manaus, elevou sua representatividade nos casos da capital paulista de 0% para 91%. A estimativa foi baseada em amostras de vírus colhidas em pacientes do Hospital São Paulo, ligado à Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), e confirma o potencial explosivo de espalhamento da nova cepa.