Covid-19: flexibilização do uso de máscaras no Rio divide opiniões de juristas

Proposta da prefeitura contraria lei federal, em vigor desde julho do ano passado, que obriga uso do item de proteção facial

Foto: Joao Gabriel Alves/Agencia Enquadrar/Agencia O Globo
Rio planeja desobrigar uso de máscaras ainda neste mês

A intenção da Prefeitura do Rio de flexibilizar a obrigatoriedade do uso de máscaras em locais abertos a partir do dia 15 , quando o município poderá atingir a cobertura vacinal completa de 65% da população, divide a opinião de juristas. Caso seja decretada, a medida irá de encontro à lei federal 14.019, em vigor desde julho de 2020, que torna obrigatório o uso do item de proteção facial.

Três juristas ouvidos pelo GLOBO deram seus pareceres sobre o assunto, foram unânimes ao afirmar que a divisão constitucional de competências normativas entre os entes federativos tem gerado controvérsias na pandemia e não chegaram a um consenso sobre a legalidade da proposta da prefeitura. Na opinião do advogado constitucionalista e criminalista Adib Abdouni, o município não pode determinar uma medida que seja mais permissiva do que as regras determinadas pelo Estado e pela União. Além da lei federal, há também uma lei estadual (Lei 8859/20) que dispões sobre o uso de máscara de proteção respiratória em qualquer ambiente público ou em ambientes privados de acesso coletivo.

"O município não poderá editar ato mais permissivo que viole o regramento estadual, o que é confirmado pela possibilidade do município – em caso reverso – ostentar competência para editar disciplina mais severa, dados os interesses locais", afirma.

Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional na PUC-SP, defende que há uma discussão sobre a eficácia da lei federal, considerando que há uma diferença da cobertura vacinal nos estados e municípios.

"Na situação que vivemos hoje, me parece que deve preponderar a competência municipal, dada essa grande diferença na vacinação. As medidas sanitárias variam de acordo com o percentual da população imunizada", diz o jurista, mas pondera que é preciso levar em consideração a recomendação da ciência. 

"Themístocles Cavalcanti, que foi ministro do Supremo, escreveu um artigo ainda na década de 1930 falando que em tempos de pandemia é a ciência que deve determinar o conteúdo das medidas restritivas do estado. Pode o prefeito do Rio dispensar a máscara na situação que estamos atualmente? Ao meu ver, não. Os governantes estão obrigados a seguir as determinações da ciência nesse momento, e me parece que a ciência não tem recomendado dispensar o uso da máscara, em especial aqui no Brasil."

Doutor em Direito Constitutional e professor da Uninove/SP, Guilherme Amorim concorda que a questão é controvertida pelo fato de que a pandemia ainda não está controlada e o uso da máscara ainda é recomendado como forma de controle na sua propagação. No entanto, o jurista destaca que: "no entendimento do STF, a União pode legislar sobre o tema, mas essa competência deve sempre resguardar a autonomia dos demais entes federados".

"O Supremo Tribunal Federal já assentou que no que diz respeito ao exercício de poderes de polícia sanitária, vigora entre os entes federativos o regime de competência concorrente. Ou seja, tanto União Federal como Estado e Municípios têm competência para exercer autoridade normativa sobre a mesma matéria. Daí porque, ainda que exista lei federal dispondo, atualmente, sobre a obrigatoriedade do uso de máscaras em lugares abertos, a Prefeitura do Rio de Janeiro se avaliar que as ações de combate adotadas em sua localidade estão a autorizar a adoção de outra medida em sentido contrário poderá editar norma que suspenda esta proibição nos limites de sua autonomia; ou seja, nos limites geográficos abrangidos pela cidade do Rio de Janeiro", explica Amorim.