O enfrentamento do câncer de mama no Brasil tem sido marcado por importantes avanços científicos, alguns já aplicáveis no Sistema Único de Saúde (SUS). Ao longo dos últimos anos, o país tem investido em diferentes frentes, incluindo melhorias na detecção precoce e o desenvolvimento de tecnologias mais acessíveis.
De acordo com dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), o câncer de mama continua sendo o primeiro mais comum entre as mulheres brasileiras, depois do câncer de pele não melanoma, com mais de 73 mil novos casos estimados por ano para o triênio 2023-2025. A mortalidade é ainda ascendente, pois a queda observada em 2020 e 2021 deve-se provavelmente às causas de morte concorrentes no período pandêmico. Observa-se, porém, certa desaceleração nas Regiões Sul e Sudeste do País. Cerca de 45% desses óbitos ocorrem em mulheres entre 50 e 69 anos.
Avanços na detecção precoce
O avanço da mamografia digital tem sido, sem dúvida, um dos grandes pilares para a detecção precoce do câncer de mama no Brasil. Apesar disso, ainda existe muita desinformação e preconceito a respeito do exame. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde, apresentada no panorama de indicadores apresentado pelo INCA, em 2024, 24,2% das mulheres entre 50 e 69 anos - faixa etária recomendada para realização de mamografia a cada dois anos pelo Ministério da Saúde - nunca realizaram esse exame na vida. Essa lacuna implica em diagnóstico tardio e, consequentemente, tratamentos mais complexos e menos eficazes. Por outro lado, após a pandemia, a produção de mamografia voltou a aumentar no país.
Taxas de mortalidade por câncer de mama de 2000 a 2022
Programas de rastreamento, em conjunto com o Programa Nacional de Qualidade em Mamografia (PNQM), buscam melhorar esse cenário por meio da ampliação do acesso à detecção precoce e das ações para garantir a qualidade da mamografia oferecida às mulheres. No campo da academia, porém, um avanço significativo do trabalho de cientistas brasileiros é a elaboração de estudos sobre exames genéticos para mulheres com histórico familiar de câncer de mama.
No Recife, a professora do Departamento de Bioquímica e pesquisadora do Instituto Keizo Asami da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Danyelly Bruneska Gondim Martins, se dedica a bioinformática para a busca de marcadores moleculares, que são componentes do nosso corpo utilizados para o rastreio genético do câncer de mama, ou para a identificação do melhor tratamento a ser aplicado em pacientes.
“Atualmente, identificamos o câncer de mama a partir da análise de um fragmento de tecido mamário, observando alteração na forma e estrutura da célula, e a análise dos marcadores moleculares já estabelecidos para o câncer de mama,
que são os receptores hormonais de estrógeno e progesterona, além do receptor tipo 2 do fator de crescimento epidérmico humano, conhecido como HER2”, explica a cientista.
No mundo, um exemplo que ajudou a popularizar um pouco mais o uso dos marcadores moleculares na abordagem de pessoas com risco elevado de câncer de mama foi o caso da atriz norte-americana Angelina Jolie, que ao identificar uma mutação genética, optou pela realização da mastectomia profilática - cirurgia que retira as mamas para minimizar o risco de incidência do câncer. “Os marcadores moleculares de predição se baseiam normalmente em mutação, frequentemente associadas ao câncer de mama, como é o caso dos genes BRCA1 e BRCA2. Esses genes codificam proteínas de núcleo celular envolvidas na integridade do genoma, e mutações nesses genes aumentam o risco de desenvolvimento do câncer de mama, assim como do câncer de ovário”, continua Danyelly.
Ainda restrita neste momento, a utilização dos marcadores moleculares na prevenção do câncer de mama pode ser uma realidade não muito distante. Atualmente, tramita no Congresso o Projeto de Lei 265/20, que visa a popularização do exame através do SUS. Essa discussão é importante para que novos marcadores moleculares de susceptibilidade de desenvolvimento do câncer de mama sejam associados a medidas de prevenção menos impactantes na vida da paciente, e dessa forma reduzam a incidência desse tipo de câncer na população", conclui a cientista.
Medicina personalizada e desafios
Hoje, o SUS já oferece alguns tratamentos de última geração, como o Trastuzumabe Entansina, um medicamento específico para pacientes com câncer de mama HER2-positivo. Nos últimos anos, outros medicamentos imunoterápicos e inibidores de CDK4/6 também começaram a ser incluídos no sistema público, elevando as expectativas de tratamento mais eficaz.
Mas apesar dos avanços, o Brasil ainda enfrenta desafios relacionados ao acesso igualitário à prevenção e tratamentos inovadores. A demora para a detecção e início da terapia, principalmente em função das limitações de acesso de algumas regiões, pode comprometer a eficácia dos tratamentos. Nesse quesito, o Governo Federal vem trabalhando para ampliar a rede de cuidado, começando pelas UBS (Unidades Básicas de Saúde), passando por campanhas de conscientização, até a ampliação do número de mamógrafos no país - que hoje está em torno de 6.588. A mamografia segue sendo o exame padrão para a descoberta do câncer de mama.
Perspectivas para o futuro
A pesquisa científica também aponta para novos horizontes na prevenção e no tratamento do câncer de mama. A nanotecnologia, por exemplo, tem sido estudada por pesquisadores da Universidade Federal do ABC (UFABC) como uma ferramenta promissora para o desenvolvimento de fármacos mais eficientes e menos invasivos, possibilitando o direcionamento exato da medicação para as células tumorais, minimizando os danos aos tecidos saudáveis.
Além disso, na Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), a pesquisa “Desenvolvimento e Análise da vacina de células dendríticas e linfócitos tumor infiltrantes nas respostas imunológicas de tumores de mama e melanoma experimentais em camundongos” com vacinas terapêuticas contra o câncer de mama - embora ainda em estágios iniciais - surge como uma possibilidade real para o futuro. Essas vacinas, que estimulam o sistema imunológico a reconhecer e combater células cancerosas, poderão representar um marco revolucionário na luta contra a doença.
O papel do SUS e a importância de políticas públicas
A inclusão de novos tratamentos e tecnologias no SUS é gradual, mas promissora. A linha de cuidados para o câncer de mama no Brasil foi ampliada com o esforço de incorporar medicamentos inovadores e técnicas mais precisas de diagnóstico. A parceria entre o Governo e a comunidade científica é essencial para que essas inovações alcancem a população de forma mais abrangente.
Um dos grandes desafios que o país ainda enfrenta é a necessidade de descentralização dos serviços de oncologia. Muitas pacientes precisam se deslocar para grandes centros urbanos para receber tratamentos adequados, o que impacta tanto a logística quanto a eficácia da terapia. Essas mulheres, porém, podem e devem contar com o programa Tratamento Fora do Domicílio (TFD), que oferece auxílio financeiro para transporte e alimentação de pacientes que precisam viajar para outras cidades em busca de tratamento.