
Você já ouviu falar nas superbactérias? São cepas capazes de criar r esistência aos antibióticos usados no tratamento das mais diversas infecções e que têm preocupado cada vez mais as autoridades de saúde.
Quando dizemos que uma bactéria é resistente, significa que ela desenvolveu mecanismos que a tornam capaz de sobreviver à ação de antibióticos que antes eram eficazes. Ou seja, mesmo com o medicamento, ela segue viva e se multiplicando.
Em entrevista ao Portal iG, o médico infectologista Alexandre Naime explica que essa resistência preocupa por dois motivos principais. "Ela torna o tratamento de infecções muito mais difícil, exigindo antibióticos mais potentes, caros ou com efeitos colaterais mais graves. E o segundo ponto é que a resistência pode se espalhar muito rápido, criando as chamadas superbactérias, que são multirresistentes e não respondem a quase nenhum antibiótico disponível", diz.
Para o médico, essas bactérias podem ameaçar procedimentos antes considerados seguros, o que ele define como um dos aspectos mais relevantes da resistência bacteriana.
"Hoje, grande parte da medicina moderna depende da ação eficaz dos antibióticos para funcionar com segurança. Se os antibióticos deixarem de funcionar, tudo isso se torna mais arriscado", ele diz.

E o problema vai desde quadros mais simples, como uma infecção urinária, até cirurgias e quimioterapias. "O que antes era uma infecção tratável pode virar um problema sem solução. A chance de infecção após uma cirurgia aumenta, e o risco de morte também", explica o médico.
"Em outras palavras: a resistência ameaça desmontar a estrutura da medicina moderna. Entraríamos numa espécie de 'era pós-antibiótica', onde até procedimentos simples poderiam voltar a ser perigosos", resume.
Como as bactérias se tornam mais resistentes?
Dr. Naime explica que as bactérias são organismos muito adaptáveis, o que colabora para a rapidez com que desenvolvem essa resistência. Esse processo pode acontecer de duas maneiras: por mutações genéticas espontâneas ou pela transferência horizontal de genes, como é chamado o mecanismo em que elas trocam materiais genéticos entre si, ou seja, quando compartilham seus "manuais de sobrevivência" aos medicamentos.
"Elas se multiplicam rapidamente e, a cada nova geração, podem surgir mutações genéticas aleatórias. Quando um antibiótico é usado, ele mata as bactérias sensíveis, mas as mutantes resistentes sobrevivem e se multiplicam, um processo de seleção natural acelerado", explica o infectologista.
O uso excessivo e indiscriminado de antibióticos em humanos, na produção animal e na agricultura agrava esse cenário, já que cria uma pressão evolutiva constante que favorece as cepas mais fortes. "Ambientes como hospitais, onde o uso de antibióticos é intenso, acabam funcionando como verdadeiros laboratórios de evolução para essas bactérias", diz o infectologista.
Outro fator que colabora para esse quadro é a globalização. Como há pessoas, alimentos e produtos que circulam pelo mundo de forma cada vez mais acelerada, a disseminação de bactérias resistentes entre países e continentes se torna mais propícia.
Os principais erros que colaboram para as "superbactérias"
De acordo com Dr. Naime, o uso errado de antibióticos é um dos principais responsáveis pelo avanço da resistência bacteriana. Ele listou as práticas mais comuns nesse sentido: tomar antibiótico sem receita médica, usá-lo para tratar infecções virais como gripes e resfriados (onde ele simplesmente não funciona), interromper o tratamento antes do tempo indicado, usar doses inadequadas ou até compartilhar o medicamento com outras pessoas.
"Essas práticas acabam expondo as bactérias ao antibiótico de forma insuficiente, ou seja, não matam todas as bactérias, mas favorecem a sobrevivência justamente das mais resistentes. É como se estivéssemos treinando essas bactérias para se tornarem mais fortes", explica.
Ele salienta que o problema não se resume ao uso em humanos. "Na agropecuária, muitos antibióticos ainda são usados não para tratar animais doentes, mas para acelerar o crescimento ou prevenir doenças em ambientes com pouca higiene. Essa prática também contribui diretamente para o surgimento e a disseminação de bactérias resistentes, algo que tem sido alvo de críticas por parte da comunidade científica e de reguladores ao redor do mundo", diz.
O que está sendo feito para conter esse problema?
De acordo com o Dr. Naime, há uma mobilização institucional em curso para tentar conter esse problema de saúde pública. Governos, sociedades médicas — como a Sociedade Brasileira de Infectologia — e órgãos internacionais têm implementado programas de vigilância para monitorar o uso de antibióticos e identificar padrões de resistência.
Além disso, nos hospitais, há um esforço crescente no reforço dos protocolos de controle de infecção, com foco na higienização, triagem adequada de pacientes e prescrição mais criteriosa de medicamentos.
O campo científico também está em busca de novas alternativas. Apesar dos desafios, como o alto custo e o baixo retorno comercial dos antibióticos, há iniciativas que apostam em novas moléculas, terapias com bacteriófagos (vírus que atacam bactérias), peptídeos antimicrobianos, imunoterapia e até nanotecnologia.
O cenário também exige responsabilidade social
Conter o avanço das superbactérias pode ser, em sua maior parte, uma preocupação da ciência. No entanto, a população também precisa assumir urgentemente essa responsabilidade, como explicado pelo infectologista.
"As pessoas precisam entender que tomar antibiótico à toa ou da forma errada não afeta só o próprio corpo, mas contribui diretamente para o surgimento de bactérias resistentes, que colocam em risco toda a sociedade. E o mais alarmante: essas bactérias podem circular, se espalhar, e causar infecções muito difíceis de tratar", diz Dr. Naime.
Ele salienta que a resistência bacteriana não é um problema distante, técnico ou exclusivo dos hospitais. "É uma ameaça real, crescente e presente no cotidiano. Se essa consciência fosse mais clara, talvez a sociedade cobrasse mais investimento em pesquisa, políticas públicas de controle e mudanças no uso de antibióticos na agropecuária", afirma.
"Porque, no fim das contas, a resistência não é um inimigo invisível. É uma consequência direta das nossas escolhas, individuais e coletivas", conclui.