Casos na justiça para conseguir remédio crescem em cidade de SP

Em 2024, número de processos aumentou 54% em Campinas, incluindo as tentativas para obter medicamentos negados por planos de saúde

“A judicialização é muitas vezes a única via para garantir o tratamento”, Dr. Júlio Ballerini
Foto: Imagem: Flickr
“A judicialização é muitas vezes a única via para garantir o tratamento”, Dr. Júlio Ballerini

Campinas , terceira maior cidade do estado de São Paulo, tem registrado um avanço expressivo nas ações judiciais movidas por pacientes que buscam garantir o acesso a medicamentos de alto custo .

De acordo com dados do Painel de Estatísticas do Poder Judiciário, apenas em 2024 foram 283 processos — um aumento de 54,6% em relação ao ano anterior.

Em 2025, considerando apenas os quatro primeiros meses, já foram protocolados outros 97 casos.

Letícia, 24 anos, estudante e moradora da cidade, é um exemplo dessa realidade.

Ela convive com três doenças autoimunes, incluindo a Doença de Crohn, que provoca inflamações intestinais severas.

Após desenvolver resistência a um medicamento injetável de R$ 12 mil por dose — anteriormente coberto pelo plano de saúde —, passou a precisar de um novo tratamento oral, mais acessível e com boa resposta clínica.

Ainda assim, teve o pedido negado três vezes, mesmo com prescrição médica.

Diante das negativas e sem alternativa, Letícia entrou na justiça, como contou ao Portal iG .

Como foi sua reação ao saber que o plano de saúde negou o fornecimento do novo medicamento, mesmo sendo uma opção mais acessível e indicada pelo seu médico?
A principal sensação foi de frustração e injustiça. Eu pago caro em plano de saúde pra garantir que eu não precise passar por esse tipo de situação e, quando mais preciso dele, ele me deixa na mão.

Quais justificativas o plano de saúde apresentou para negar o medicamento por três vezes consecutivas?
O plano justifica que a medicação não está no rol da ANS e, por isso, não seria obrigado a fornecer. Mas o rol da ANS não é taxativo.

Em que momento você decidiu buscar apoio jurídico, e como chegou até o escritório que te representa?
Decidi procurar apoio jurídico depois da terceira negativa, de uma reclamação formal na ANS que não deu em nada e de ir pessoalmente ao plano. Percebi que só recorrendo à Justiça eu teria meus direitos garantidos.

Que tipo de orientação você recebeu dos advogados ao entrar com a ação?
Eles foram muito solícitos. Eu estava ansiosa, sem saber com quem contar, e me explicaram que isso vem acontecendo com frequência. Disseram que eu teria meu direito garantido e me orientaram a manter a calma e entender como “jogar o jogo” dos planos.

O que você aprendeu sobre seus direitos como paciente durante esse processo?
Nunca tive conhecimento dos meus direitos nesse aspecto, e imagino que a maioria das pessoas também não. Os planos negam por comodidade, sem se importar com seus clientes. Temos o direito à saúde garantido por lei. Se desistimos fácil, é melhor pra eles. Por isso, precisamos estudar, nos informar e exigir o que é nosso.

Como tem sido acompanhar o andamento do processo? Já obteve alguma liminar ou resposta inicial da Justiça?
Tem sido angustiante. Ainda não tive liminar ou resposta inicial, então fico nessa espera, aguardando alguma novidade.

Que mensagem você deixaria para outros pacientes que enfrentam situações parecidas?
No começo, me senti num beco sem saída. Além da doença, enfrentei a frustração da negativa. Foi importante ler relatos de pessoas que passaram por isso e conseguiram, além de contar com uma rede de apoio emocional — isso foi essencial. Hoje, penso que estou lutando por algo que é meu por direito. E, por ser meu por direito, eu vou conseguir.

O iG também conversou com o advogado Júlio Ballerini. Especialista em Direito à Saúde.

Qual tem sido o perfil mais comum dos pacientes que procuram o escritório para garantir medicamentos?
Atendemos desde crianças com doenças raras até idosos com câncer ou doenças autoimunes. Muitos são de classe média, que pagam plano de saúde, mas têm o tratamento negado. Outros dependem do SUS e não conseguem acesso, mesmo com prescrição.


No caso da Letícia, como o escritório atuou para garantir o novo medicamento?
Reunimos os laudos médicos, exames e provas das negativas do plano. Com base nisso, ajuizamos a ação com pedido de liminar. O fato de o medicamento ter registro na Anvisa fortalece o pedido.

A recusa dos planos de saúde é comum, mesmo para medicamentos mais baratos?
Sim. Muitas vezes, os remédios são barrados por estarem fora do rol da ANS ou por uso “off-label”, ainda que o custo seja inferior ao tratamento anterior — como ocorreu com a Letícia.

Júlio Ballerini é especialista em Direito à Saúde
Foto: FOTO: Arquivo Pessoal
Júlio Ballerini é especialista em Direito à Saúde


Qual o impacto da decisão do STF (Tema 1234) nesse tipo de processo?
A decisão estabeleceu critérios mais claros sobre quem deve fornecer medicamentos, conforme o valor. Isso trouxe mais previsibilidade aos processos e segurança jurídica para o paciente.

Quanto tempo leva, em média, para uma decisão judicial garantir o acesso ao remédio?
Quando a urgência é comprovada, conseguimos liminares em poucos dias — às vezes, em 24 horas. Cerca de 80% das ações que movemos têm decisões favoráveis, e na Justiça estadual o índice chega a quase 100%.

Quais documentos são indispensáveis para entrar com esse tipo de ação?
Prescrição médica, orçamento da farmácia, negativa do plano ou do SUS e comprovação de renda. Com esses elementos, conseguimos mostrar a urgência e a impossibilidade de arcar com o custo.

O que você recomenda a quem passa por situação semelhante?
Não aceite a negativa como definitiva. Procure um advogado especializado ou a Defensoria Pública, se não puder pagar. O direito à saúde é constitucional e pode — e deve — ser garantido judicialmente.