O Brasil vive um aumento recorde de processos judiciais contra médicos . Em 2024, foram registradas 74.358 ações por supostos erros médicos, um salto de 506% em relação ao ano anterior, que teve 12.268 casos. O crescimento preocupa profissionais da saúde e do direito, que veem um movimento de judicialização em massa e de fragilidade na comunicação entre médicos e pacientes .
Em entrevista ao Portal iG, a advogada Gabrielle Brandão, especialista em Direito Médico e da Saúde, e a juíza federal Alessandra Belfort, pesquisadora em Neurolaw, comentam o cenário e apontam caminhos para prevenir litígios e preservar a relação médico-paciente.
Por que o número de processos cresceu tanto em um período tão curto?
Gabrielle Brandão: Esse aumento se explica por vários fatores. Há a expansão de faculdades de medicina sem estrutura adequada, o maior acesso dos pacientes ao Judiciário e mudanças no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que passaram a agrupar diferentes tipos de pedidos sob a categoria “erro médico”.
O resultado é um salto estatístico que nem sempre reflete falhas reais na atuação dos profissionais.
A maioria dos médicos é absolvida ao final dos processos. O que isso revela?
Gabrielle: Mostra que muitas ações carecem de fundamento técnico. Mais de 90% dos médicos acabam absolvidos, o que evidencia que, na maior parte das vezes, não há erro, mas sim intercorrências médicas, complicações que podem ocorrer mesmo quando a técnica é correta.
Comunicação como barreira contra conflitos
A comunicação tem influência direta na judicialização?
Alessandra Belfort: Sem dúvida. O cérebro humano busca explicações imediatas diante de perdas ou frustrações. Quando há uma comunicação falha, o paciente tende a reagir de forma emocional e buscar um culpado.
Por outro lado, uma conversa clara e empática reduz esse impulso, favorecendo a compreensão dos riscos e resultados possíveis.
O diálogo, então, tem efeito prático na prevenção de ações?
Alessandra: Sim. A confiança e a transparência criam uma sensação de segurança emocional. O paciente que se sente ouvido e informado reage com menos hostilidade diante de um desfecho adverso.
Essa comunicação é, muitas vezes, mais eficiente para evitar litígios do que qualquer instrumento jurídico.
Transparência e preparo técnico
Como o médico pode se proteger juridicamente?
Gabrielle: A prevenção começa com transparência e rigor técnico. É fundamental ter termos de consentimento bem elaborados, contratos claros e prontuários completos.
Também é importante atuar apenas dentro da própria área de especialização. Extrapolar o campo técnico é um erro comum que aumenta o risco de responsabilização.
O aumento das ações indica queda na qualidade da medicina?
Gabrielle: Não necessariamente. Ele reflete uma sociedade mais litigiosa, em que o caminho judicial se tornou uma resposta quase automática a situações de frustração.
Muitos profissionais de boa-fé acabam sendo acionados indevidamente. No fim das contas, o que precisa ser reconstruído é a relação de confiança entre médico e paciente.