IA promete mudar a análise de tomografias e acelerar diagnósticos

A tecnologia não vai substituir o radiologista, permitindo mais tempo de cuidado direto ao paciente

A IA potencializa a agilidade dos médicos e impacta diretamente o atendimento ao paciente
Foto: Divulgação
A IA potencializa a agilidade dos médicos e impacta diretamente o atendimento ao paciente

Em um encontro que reuniu lideranças da saúde, tecnologia e academia em São Paulo, foi apresentado o Projeto AIR (Artificial Intelligence in Radiology), uma iniciativa do INRAD (Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da FMUSP) que foi apoiada pela Philips. A apresentação demonstrou um piloto de Inteligência Artificial, voltado para a análise de tomografias computadorizadas e integração de dados clínicos. A proposta é ousada: utilizar algoritmos avançados para tornar os diagnósticos mais precisos e, ao mesmo tempo, liberar os profissionais de saúde das tarefas burocráticas, permitindo que se dediquem mais ao cuidado direto com o paciente .

O projeto prevê o uso de um assistente de voz inteligente, que coleta e organiza informações como exames, medicações e diagnósticos . Segundo a empresa, o objetivo não é substituir o radiologista, mas ampliar a qualidade do diagnóstico e agilizar processos, com entrada de dados automática, triagem de casos críticos e emissão de resultados mais precisos, mas sempre com a decisão final nas mãos do médico.

Segundo Felipe Basso, diretor-geral da Philips América Latina, que conversou com a reportagem do iG, o investimento anual da companhia em tecnologia para desenvolvimento de novas soluções integra um aporte global de 1,8 bilhão de euros. O valor equivale a quase 10% do faturamento anual da empresa, sendo que mais de 50% desse montante é destinado a profissionais de software, desenvolvimento e tecnologias como IA.

“A gente espera que, no futuro próximo, essa IA já esteja implementada em toda a nossa base. Assim que conseguirmos testar e regulamentar, porque não queremos cometer erros, como um paciente ser diagnosticado incorretamente por um comando de voz ou receber uma prescrição equivocada. Queremos evitar que isso aconteça. Então, temos alguns pilotos com parceiros e algumas restrições, mas ainda não é um produto finalizado. A IA potencializa a agilidade dos médicos e impacta diretamente o atendimento ao paciente. O sistema de saúde precisa de produtividade, mas também de humanidade. Nosso papel é usar a tecnologia para liberar o maior potencial de cada indivíduo” , reforçou Felipe.

O desafio é mostrar que a nova ferramenta tecnológica chega para ajudar
Foto: Patricia Domingos
O desafio é mostrar que a nova ferramenta tecnológica chega para ajudar






O que diz a pesquisa

A pesquisa mostra que 88% dos pacientes brasileiros aguardam para conseguir uma consulta com um especialista. O relatório Future Health Index 2024 também revela que mais de três em cada quatro líderes de saúde no mundorelatam atrasos no atendimento devido à escassez de profissionais . Quase metade ( 44% ) afirma perder mais de 45 minutos por turno com tarefas administrativas, equivalente a 23 dias úteis por ano (considerando turnos de oito horas em 250 dias de trabalho, totalizando em média 187,5 horas perdidas por profissional).

No Brasil, metade dos pacientes ( 50% ) diz ter esperado tempo excessivo para conseguir uma consulta, índice muito acima da média global de 38% . Os atrasos são ainda mais comuns quando a demanda envolve especialistas.

Outra preocupação relevante entre os profissionais de saúde no país é a responsabilidade legal no uso da IA. Questões como alucinações em sistemas generativos levantam dúvidas sobre precisão, confiabilidade e, principalmente, sobre quem deve responder caso haja falha em diagnóstico ou tratamento. Os dados mostram que quase dois terços dos profissionais ( 63% ) estão preocupados ou inseguros quanto à responsabilidade legal, por não haver clareza sobre até que ponto o ônus recai sobre o médico, o desenvolvedor ou a instituição.

A pesquisa contou com a participação de 1.926 profissionais de saúde, por meio de um questionário online de 15 minutos, e 16.144 pacientes com 18 anos ou mais, que responderam a uma pesquisa online de 10 minutos.

Inteligência artificial a serviço da saúde

Um dos principais desafios apontados durante o evento foi a integração entre os sistemas e a confiança na adoção da IA. A 10ª edição do Future Health Index 2025, pesquisa global da Philips com profissionais de saúde, revela que 85% dos profissionais brasileiros estão otimistas com o uso da IA, mas apenas 70% dos pacientes compartilham esse sentimento. A diferença de percepção aumenta em situações de maior risco clínico, como na priorização de casos urgentes.

Para a Dra. Stéphanie Rizk, cardiologista, intensivista e investidora na ALMA, o impacto da integração será imediato na rotina hospitalar.

“Meu sonho é que essa integração aconteça para ontem. No ambiente da UTI, isso vai trazer qualidade de vida. Hoje, médicos e enfermeiros acessam vários sistemas ao mesmo tempo. Quando unificamos tudo isso em um único local, é um grande avanço” , afirmou a doutora.

Ela reforçou ainda que a IA aproxima o paciente do médico:

“A percepção é de que a tecnologia devolve a atenção ao paciente. O médico vai conseguir cuidar mais, com mais tempo e menos distância” , reforçou.


Capacitação e mudança cultural

O evento também reuniu especialistas em ciência de dados e gestores públicos. O professor Michel Fornaciali, coordenador do programa avançado em Data Science e Decisão do Insper, defendeu que a capacitação é o elo essencial para que a IA se incorpore ao cotidiano da saúde.

“Quanto mais ensinarmos as pessoas a utilizarem as ferramentas, mais o medo vai desaparecer. A tecnologia não substitui pessoas, mas quem não a usa pode ser substituído por quem sabe utilizá-la” , afirmou Michel.

Para Antonio Pereira, CEO do Hospital das Clínicas, o avanço tecnológico precisa vir acompanhado de uma mudança de mentalidade:

A parceria entre o público e o privado precisa caminhar junto. Temos que treinar as pessoas para entender que a nova ferramenta veio para ajudar. O fator humano é o que faz a tecnologia funcionar” , explicou Tom Zé.

Ele lembrou ainda que, longe de eliminar empregos, a IA tende a aumentar a demanda por especialistas, especialmente em áreas como radiologia.

“Diziam que os radiologistas seriam substituídos, mas o que aconteceu foi o contrário: com a IA, eles se tornaram ainda mais necessários”, relembrou.

Desafios e futuro da IA na saúde

Apesar do otimismo, os participantes reforçaram a importância de usar a tecnologia com bom senso e de forma ética.

“Se um médico não tem bom senso e usa a ferramenta de forma errada, pode ter certeza de que a IA será mais inteligente do que ele” , brincou a Dra. Stéphanie.

Para o diretor da Philips, o momento é de construir confiança e validar resultados antes de expandir o uso para todos os hospitais. O comando de voz apresentado durante o evento ainda está em fase de teste, mas a expectativa é que, em breve, o sistema seja incorporado em toda a rede.

“A IA já permeia praticamente todas as áreas médicas, desde o ultrassom até a radiologia. É difícil imaginar uma instituição de saúde que hoje não tenha contato algum com inteligência artificial” , observou Basso.

A perspectiva é de que os profissionais deixem de perder tempo com tarefas administrativas, como organizar escalas de enfermagem . Eles precisam estar com o olhar mais atento ao paciente e a IA é o caminho para que isso aconteça.

Em um setor que enfrenta escassez de profissionais, envelhecimento populacional e sobrecarga de atendimentos, a promessa é que a tecnologia revolucione a eficiência do cuidado, reduza erros e devolva aos médicos o tempo que hoje é consumido por processos burocráticos.