
O congelamento de óvulos e embriões como estratégia para preservar a fertilidade de pacientes com câncer foi um dos temas centrais do congresso anual da Sociedade Americana de Reprodução Assistida (ASRM), realizado entre 25 e 29 de outubro, em San Antonio, no Texas. A crescente preocupação com o aumento de diagnósticos de câncer em adultos com menos de 50 anos colocou a oncofertilidade no centro das discussões científicas.
O especialista em reprodução humana e diretor da Clínica Mãe, em São Paulo, Dr. Alfonso Massaguer, que participou do evento, afirmou ao iG que o destaque dado ao tema reflete uma urgente necessidade de conscientização, tanto entre profissionais de saúde quanto entre pacientes.
“A oncofertilidade ainda é muito negligenciada. As mulheres tratam o câncer, sobrevivem, e depois sofrem com a dificuldade para engravidar. Os resultados de congelamento de óvulos eram ruins no passado, mas hoje, com a vitrificação, as taxas são muito melhores” , explica o médico.
Aumento expressivo de câncer em jovens torna preservação da fertilidade ainda mais urgente
No Brasil, dados do Sistema Único de Saúde revelam um aumento de 284% nos diagnósticos de câncer em adultos abaixo de 50 anos entre 2013 e 2024, saltando de 45,5 mil para 174,9 mil casos anuais . O câncer de mama é o que mais cresce entre mulheres jovens, com aumento de 45% no período e mais de 22 mil novos registros por ano.
Segundo Massaguer, dois fatores intensificam a procura por métodos de preservação da fertilidade: o aumento de câncer em idades mais precoces e o fato de mulheres estarem engravidando mais tarde.
“Uma mulher de 30 ou 35 anos, no passado, já tinha filhos. Hoje, grande parte ainda não formou uma família. Quando uma pessoa jovem recebe um diagnóstico de câncer, torna-se mandatório pensar em seu futuro reprodutivo” , afirma.
Congelamento de óvulos: técnica mais consolidada e rápida
O congelamento de óvulos por vitrificação segue como a técnica mais indicada para mulheres que vão iniciar tratamentos oncológicos. O procedimento leva cerca de duas semanas e, segundo o especialista, não atrasa o início da quimioterapia ou radioterapia.
“Os óvulos são coletados e congelados rapidamente, com excelente taxa de sobrevida. Depois que a paciente estiver curada e liberada pelo oncologista, eles podem ser utilizados em fertilização in vitro” , explica Massaguer.
Além da segurança técnica, a preservação da fertilidade traz um impacto emocional importante:
“Congelar óvulos não oferece só a chance de engravidar no futuro, oferece perspectiva. Muitas mulheres dizem se sentir fortalecidas para enfrentar o tratamento ao saber que ainda poderão realizar o sonho de ter filhos.”
O médico alerta, porém, para limites e expectativas irreais.
“Há quem congele cinco óvulos e diga: ‘tenho cinco bebês’. E precisamos explicar: cinco óvulos podem resultar em dois ou três bebês, mas também podem não resultar em nenhum. A idade e o número de óvulos influenciam muito.”
Outras técnicas e abordagens discutidas no congresso
Além da oncofertilidade, o congresso abordou temas amplos da medicina reprodutiva. Entre os destaques:
Análise genética de casais inférteis, permitindo identificar e prevenir doenças hereditárias antes da gestação.
Síndrome dos ovários policísticos, uma das principais causas de infertilidade feminina.
Perda gestacional recorrente, problema que ainda desafia especialistas.
Infertilidade masculina e alterações no sêmen, com foco em novas estratégias de tratamento.
Endometriose, condição que afeta milhões de mulheres e segue sem solução definitiva.
De acordo com Massaguer, a maior dificuldade da reprodução assistida ainda está em compreender e melhorar a qualidade dos óvulos, processo diretamente relacionado ao envelhecimento reprodutivo.
“Melhorar a qualidade do óvulo ainda é o grande calcanhar de Aquiles da reprodução humana. Também buscamos entender por que embriões considerados normais não implantam no útero.”
Preservar hoje para garantir escolhas no futuro
Para o especialista, a preservação da fertilidade deve fazer parte da abordagem padrão no atendimento a pacientes recém-diagnosticados com câncer.
“É fundamental que a paciente seja informada imediatamente sobre os riscos à fertilidade. Essa conversa deve acontecer antes do início do tratamento oncológico.”
Técnicas como congelamento de embriões e de tecido ovariano também foram apresentadas no congresso, e a escolha da melhor estratégia deve ser individualizada.
“É uma decisão que deve envolver paciente, oncologista e especialista em reprodução. O objetivo é garantir que a luta contra o câncer não roube dela a possibilidade de formar uma família no futuro” , finaliza.