Roberta Nuñez

O tabu da sexualidade no autismo e seus impactos emocionais

Neuropsicopedagoga fala sobre os desafios da educação sexual adaptada e a importância do respeito à autonomia das pessoas neurodivergentes

Sexualidade e autismo ainda é um tabu que pode gerar vulnerabilidade
Foto: Canva
Sexualidade e autismo ainda é um tabu que pode gerar vulnerabilidade

Falar sobre sexualidade ainda é delicado em muitas famílias e escolas, e quando o assunto envolve pessoas dentro do espectro autista, o silêncio se torna ainda mais evidente. A ausência de diálogo e informação contribui para a construção de estigmas e reforça a ideia de que pessoas neurodivergentes não têm desejos ou vida afetiva. O resultado é um ciclo de invisibilidade que aumenta a vulnerabilidade emocional e física dessa população.

Estudos internacionais indicam que mulheres autistas têm até quatro vezes mais chances de sofrer violência sexual em comparação à população neurotípica. Uma pesquisa publicada na Frontiers in Behavioral Neuroscience mostrou que 90% das mulheres autistas relataram algum tipo de abuso sexual ao longo da vida, revelando o impacto da falta de educação sexual adaptada e da desinformação.

Para a neuropsicopedagoga Silvia Kelly Bosi, especialista em autismo e desenvolvimento humano, esse cenário começa com a infantilização das pessoas atípicas, algo ainda comum em casa, nas escolas e até em ambientes terapêuticos.

"Infantilizar pessoas autistas é negar que elas possuem desejos, sentimentos e direito à expressão afetiva e sexual. Quando tratamos adultos neurodivergentes como eternas crianças, limitamos sua autonomia e impedimos que conheçam o próprio corpo”, explicou Silvia à coluna .

Ela ressalta que essa postura não apenas dificulta o amadurecimento emocional, como também gera culpa e vergonha em relação a sentimentos naturais. “A identidade afetiva se constrói com base no autoconhecimento e na validação do que se sente. Quando essa vivência é negada, comprometemos a autoestima e a capacidade de estabelecer relações saudáveis”, completa.

Educar é proteger

A especialista reforça que educação sexual é também uma ferramenta de proteção.

"Sem uma orientação adequada, muitos jovens neurodivergentes não compreendem o que é consentimento, o que é toque apropriado ou como pedir ajuda. Isso os torna mais vulneráveis a abusos e manipulações”, alerta Silvia.

Os sinais de que um jovem precisa de orientação incluem comportamentos de curiosidade sem entendimento dos limites, busca de informações inadequadas na internet e dificuldade em compreender o respeito ao espaço do outro. Para os pais, a dica é começar o diálogo cedo e com naturalidade.

"O segredo é transformar a conversa em algo contínuo. Nomear o corpo corretamente, usar exemplos visuais e reforçar o respeito próprio e do outro faz toda a diferença”, diz.

Linguagem acessível e inclusão emocional

De acordo com a neuropsicopedagoga, o ensino sobre corpo, desejo e limites precisa ser adaptado ao nível de compreensão de cada pessoa.

"A linguagem deve ser concreta e simples, com frases curtas e recursos visuais, como figuras, histórias sociais e jogos. A repetição e o reforço positivo ajudam muito na assimilação”, orienta.

Além de ensinar o reconhecimento das próprias emoções, Silvia destaca a importância de trabalhar também a leitura das intenções alheias e o desenvolvimento da empatia. “Essas habilidades são fundamentais para que a pessoa atípica entenda seus próprios limites e os dos outros, garantindo relações mais seguras e respeitosas.”

Profissionais e mídia têm papel essencial

A especialista lembra que ainda há carência de formação entre profissionais da saúde e da educação para lidar com a sexualidade atípica.

"Precisamos de formação que una ciência, ética e sensibilidade. Falar sobre o tema sem preconceito é essencial para acolher e não reprimir”, afirma.

Ela também destaca o papel da mídia e das redes sociais na desconstrução de estigmas.

"Mostrar pessoas autistas em papéis adultos, vivendo afetos reais, é uma forma poderosa de inclusão. O corpo atípico também é digno de desejo e de amor”, diz Silvia.

Com empatia e informação, é possível transformar o tabu em diálogo e garantir que a sexualidade de pessoas neurodivergentes seja tratada com respeito, segurança e naturalidade.

Silvia Kelly Bosi
Foto: Raphael Barros
Silvia Kelly Bosi

"Falar sobre o corpo e o afeto é reconhecer a humanidade de todos nós”, conclui a neuropsicopedagoga.

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal iG