Roberta Nuñez

Como o TDAH influencia relacionamentos e altera a vida afetiva

Dr. Adiel Rios explica como a desregulação emocional do TDAH gera crises, ruídos e reconstruções que transformam a dinâmica amorosa

Dr. Adiel Rios explica como a desregulação emocional do TDAH gera crises, ruídos e reconstruções que transformam a dinâmica amorosa
Foto: Acervo pessoal
Dr. Adiel Rios explica como a desregulação emocional do TDAH gera crises, ruídos e reconstruções que transformam a dinâmica amorosa

O aumento de diagnósticos de TDAH em adultos e a ampliação dos estudos sobre funções emocionais colocam o transtorno no centro das discussões sobre relacionamentos. Cada vez mais casais chegam aos consultórios buscando entender comportamentos que confundem, desgastam e criam ruídos afetivos, e descobrem que a resposta, muitas vezes, está na neurobiologia e não na falta de amor.

Com vasta experiência clínica e acadêmica, incluindo pesquisas no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, na UNIFESP e colaborações internacionais em neurociência e psicopatologia, o psiquiatra  Adiel Rios explica por que o TDAH é hoje reconhecido como um dos transtornos que mais afetam a vida amorosa.

A ciência moderna mostra que, ao contrário do que se acreditava por décadas, o sintoma possivelmente mais central do TDAH não é a desatenção, mas a desregulação emocional, uma dificuldade do cérebro em regular a intensidade, a velocidade e a duração das emoções. Essa desorganização emocional é tão profunda que dela derivam os outros sintomas que moldam o cotidiano do casal: impulsividade, distração, esquecimento, tédio abrupto, irritabilidade e mudanças bruscas de interesse.

Quando essa neurobiologia entra na vida amorosa, comportamentos cotidianos passam a ser interpretados por lentes emocionais distorcidas. Para quem vive com TDAH, pequenas frustrações podem soar como alarmes intensos, gerando respostas emocionais rápidas e desproporcionais. 

Para quem convive com essa pessoa, esses comportamentos parecem pessoais, quando na verdade são manifestações involuntárias do transtorno. Assim, a distração vira “você não liga para mim”, o esquecimento vira “você não se importa” e a impulsividade vira “você não pensa na gente”.

Mas a realidade clínica e científica diz que não se trata de desamor, descaso ou falta de compromisso, e sim de circuitos emocionais desregulados. Estudos publicados no Journal of Attention Disorders confirmam que a desregulação emocional é o maior gerador de conflitos conjugais em adultos com TDAH.

Muitos relacionamentos atravessados pelo TDAH começam de forma explosivamente intensa. O hiperfoco afetivo, a conexão imediata, o encanto rápido e a energia apaixonada criam um início que parece filme. A explicação está na dopamina elevada típica do começo de qualquer paixão, que no cérebro com TDAH causa uma sensação de completude emocional rara.

O problema surge quando a dopamina naturalmente diminui, como acontece em todo relacionamento saudável. O parceiro sem TDAH percebe essa mudança como afastamento. Já quem tem TDAH sente inquietação, tédio ou uma súbita perda de intensidade, não porque deixou de amar, mas porque seu cérebro é calibrado pela novidade e se desorganiza quando a rotina chega. É nesse ponto que o casal começa a sofrer com mal-entendidos dolorosos e totalmente evitáveis.

No cotidiano, sem psicoeducação, instala-se um ciclo invisível de sofrimento. Quem tem TDAH sente culpa por não conseguir manter a constância emocional que deseja e reconhece como justa. Quem não tem TDAH sente abandono, acredita estar sendo preterido e interpreta comportamentos neurobiológicos como escolhas afetivas.

Forma-se um circuito fechado composto por desregulação emocional, frustração, mágoas silenciosas, retraimento e mais desregulação. Em consultório, o médico observa repetidamente casais que se amam profundamente, mas que vivem presos a ruídos emocionais traduzíveis. Eles não sofrem por falta de afeto, mas por falta de tradução científica e compreensão da natureza do transtorno.

Para reorganizar essa dinâmica, Dr. Adiel Rios desenvolveu o conceito clínico do “Manual do Copiloto”, no qual cada parceiro aprende o seu papel. O parceiro sem TDAH aprende que não está sendo desvalorizado e que previsibilidade, clareza e comunicação direta ajudam a restaurar segurança emocional.

A pessoa com TDAH aprende a reconhecer gatilhos emocionais, a estruturar rotinas afetivas, a antecipar momentos de desregulação e a utilizar técnicas reconhecidas de autorregulação emocional. Outra ferramenta poderosa é a criação das chamadas micro-novidades, pequenas mudanças distribuídas ao longo da rotina que reativam o circuito dopaminérgico e reduzem o tédio abrupto. Pesquisas em neurociência comportamental mostram que o cérebro com TDAH responde intensamente a micro-doses de novidade, fortalecendo o vínculo e diminuindo ruídos relacionais.

Quando o casal entende o funcionamento do transtorno, algo extraordinário acontece: o amor finalmente consegue respirar. Relações antes sufocadas por desentendimentos passam a ganhar clareza, leveza e cumplicidade verdadeira. A ciência oferece caminhos reais de reconexão. 

Dr. Adiel Rios afirma que a terapia de casal focada em comunicação estruturada, psicoeducação sobre a desregulação emocional, treino de presença, previsibilidade afetiva e, quando necessário, o suporte medicamentoso, transforma não apenas o relacionamento, mas toda a vida emocional dos parceiros. Segundo ele, inúmeros casais renascem quando compreendem que o TDAH não é um inimigo, e sim um mapa neurobiológico que, quando devidamente lido, permite ao amor não apenas sobreviver, mas florescer com maturidade, verdade e profundidade.

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal iG