Covid-19: Mais de 23 mil indígenas brasileiros infectados e 652 vidas perdidas

Rodovias que cortam terras indígenas são maior vetor de transmissão do vírus

Foto: Sandro Pereira/Fotoarena/Agência O Globo
Covid-19: Mais de 23 mil indígenas infectados e 652 vidas perdidas

   O  novo coronavírus (Sars-Cov-2) já fez mais de 100 mil vítimas por todo o Brasil . Muito se fala sobre a população nas capitais mas pouco se diz sobre os povos originários isolados. A doença já levou 652 vidas indígenas brasileiras e infectou outras 23.453 , segundo levantamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). O vírus chega até as aldeias em isolamento através de caminhões ou barcos de transporte, que vão do Sul ao Norte, passando pelo Centro-Oeste e Nordeste.

A BR-070, importante rota do agronegócio, corta o território do povo Bororo, no Mato Grosso, e foi através dela que o coronavírus chegou à aldeia Meruri, cerca de 30km do município mais próximo. Segundo Eloenia Ararua, uma das lideranças locais, o contato com caminhoneiros que param para fazer lanches ou almoçar é constante. “Normalmente, não usam máscara . Na região, somos os mais contaminados. Caminhoneiros não deveriam parar. Temos baixa imunidade ”, alerta ela.

O coordenador executivo da Apib, Dinamam Tuxá, avalia que esse é um dos principais vetores do novo coronavírus. “Muitas comunidades são ponto turístico. As pessoas param para almoçar, conhecer, descansar. E esse trânsito está levando a covid-19. O próprio estado não fez medida de prevenção e contenção pensando no trânsito nessas vias”, diz.

Além da atividade ilegal de garimpeiros e madeireiros , em outros casos o vírus chega de avião, através de agentes de saúde e militares. É o que destaca a deputada federal Joênia Wapichana (Rede-AP): “O principal ponto que sempre nos preocupou para garantir o isolamento social é que tivesse uma fiscalização na entrada (das estradas).”

Políticas de enfrentamento ao Covid-19 nas aldeias

Sem poder contar com ações concretas e efetivas do governo, cabe às comunidades se protegerem como podem. Os recursos que tem são diagnósticos tardios, máscaras, fechamento das aldeias e longas viagens até o hospital mais próximo, o que não impede que o coronavírus chegue até as aldeias. 

De acordo com Antônio Veríssimo Apinajé, um dos líderes do povo Apinajé, as aldeias levaram a pandemia a sério desde o início por terem crescido ouvindo histórias de seus  anciãos sobre como doenças atingiram indígenas no passado. A estratégia foi levar os idosos para aldeias mais isoladas e criar barreiras sanitárias.

No entanto, em reservas do estado as barreiras sanitárias não funcionaram e o vírus tomou conta, causando pânico nas comunidades. É o que conta a coordenadora da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa), Tuxati Parkateje.

Ela relata que muitas famílias deixaram as aldeias e decidiram se isolar mato adentro, levando consigo alguns alimentos para ficar longe de qualquer contato. Conta ainda que muitos indígenas ainda não voltaram para suas casas e expõe que, em sua opinião, houve ausência de  política pública para o combate ao vírus nas comunidades indígenas.

Na sexta-feira, 7 de agosto, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso determinou que o governo federal complemente o plano de barreiras sanitárias para povos indígenas isolados e de recente contato. A medida tem como objetivo evitar o avanço da contaminação do novo coronavírus.

Funai

A Fundação Nacional do Índio (Funai) suspendeu e março as autorizações de entrada em terras demarcadas em todo país. O órgão também disse em nota que reforçou ações de prevenção em conjunto com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e que já investiu R$ 26 milhões em medidas de combate ao novo coronavírus . Como medida de segurança, a Funai declarou já ter distribuído 500 mil cestas básicas e quase 62 mil kits de higiene pessoal e limpeza.

Ações de vigilância e monitoramento territorial também foram realizadas, contabilizando 151 ações de fiscalização em 63 terras demarcadas para  coibir “extração ilegal de madeira, garimpo e pesca predatória”.

Quanto aos bloqueios, a Funai reitera que participa de 271 barreiras sanitárias para impedir a entrada de não indígenas em aldeias, mas afirma que bloqueios comprometem o abastecimento da população.

70 mil indígenas contaminados nas Américas

Para marcar o dia internacional dos povos indígenas, 9 de agosto, Michelle Bachelet, Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, compartilhou dados sobre a situação da Covid-19 nas Américas. Dos mais de 70 mil indígenas infectados pela Covid-19 na região, 23.000 são integrantes de povos da Bacia do Amazonas.

A chefe de direitos humanos da ONU apontou a falta de acesso a cuidados de saúde, água potável e saneamento que as aldeias enfrentam. E denunciou as condições de vida de muitos dos povos indígenas. "Nesta vasta região que abrange o Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa, 420 ou mais povos indígenas vivem em terras que estão cada vez mais danificadas e poluídas pela mineração ilegal, exploração madeireira e agricultura de corte e queima", disse.

Para ela, a pandemia evidenciou a necessidade de incluir as entidades representativas, líderes e autoridades tradicionais indígenas na formulação e implementação de políticas públicas que os afetam. "Trata-se de salvar vidas e proteger uma preciosa rede de culturas, línguas e conhecimentos tradicionais que nos ligam às raízes profundas da humanidade", insistiu.