Covid-19: Cloroquina vai da 'eficácia não comprovada' à 'ineficácia comprovada'
Fotoarena / Agência O Globo
Covid-19: Cloroquina vai da 'eficácia não comprovada' à 'ineficácia comprovada'

O uso da hidroxicloroquina para Covid-19 está ganhando um status que poucas drogas têm. De produto "sem eficácia comprovada" para tratar a doença, entra agora no seleto rol das dos fármacos que tem "ineficácia comprovada", dada a quantidade de ensaios clínicos fracassados que protagonizou.

No Brasil, por conta disso, um grupo de ex-presidentes do Conselho Federal de Medicina e dois conselhos estaduais (Cremesp, de São Paulo, e Cremerj, do Rio) divulgaram cartas na semana passada pedindo que as direções atuais notifiquem os médicos que pregam ainda o uso de cloroquina e derivados, normalmente receitadas no contexto do que o governo chama de "tratamento precoce".

Para o infectologista Mauro Shechter, professor titular da UFRJ, os estudos clínicos mais robustos todos apontaram em uníssono para o fracasso da hidroxicloroquina contra a Covid-19.

"Esse assunto acabou", diz o médico, que vem compilando literatura técnica sobre o tema desde o início da pandemia. "Eu desconheço qualquer outra droga cuja ineficácia tenha sido comprovada e que tenha sido alvo de tanta insistência em testes clínicos depois".

Com sociedades médicas e centros de referência emitindo recomendações contrárias ao uso da droga, infectologistas brasileiros reclamam de omissão por parte do CFM. Sob argumento de que os médicos são autônomos para prescrever medicamentos a seus pacientes, o órgão de classe não emitiu recomendação contrária nem notifica os médicos que adotaram a prática.

"Conclamamos, por ser um imperativo ético, que o CFM oriente a população médica (...) evitando o uso de condutas terapêuticas sem respaldo científico; bem como a disseminação de informações falsas sobre a doença", afirmaram em carta cinco ex-presidentes da entidade.

Um exemplo adotado para fazer pressão é o painel de revisão dos NIH (Institutos Nacionais de Saúde), nos EUA, que atualiza recomendações semanalmente de acordo com a literatura médica vigente.

"O painel recomenda contra o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina, com ou sem azitromicina, para o tratamento de pacientes com Covid-19", indica a versão mais recente do documento.

A Sociedade Brasileira de Infectologia, que emite recomendações para sua especialidade médica, também nominou as drogas que desrecomenda.

"A SBI não recomenda tratamento farmacológico precoce para COVID-19 com qualquer medicamento (cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina,  azitromicina, nitazoxanida, corticoide, zinco, vitaminas, anticoagulante, ozônio por via retal, dióxido de cloro), porque os estudos clínicos randomizados com grupo controle existentes até o momento não mostraram benefício", afirma o último protocolo da entidade.

"Cabe ao CFM deixar claro o que tem de evidencia científica, e não ficar omisso em relação a essa questão", afirma a infectologista Raquel Stucchi, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo a médica, como não paira mais dúvida sobre a eficácia da cloroquina, sua prescrição não se trata mais de uma questão de autonomia profissional de indivíduos médicos.

Publicidade médica

Schechter da UFRJ, ainda aponta para o problema da publicidade médica, pois muitos médicos que pregam abertamente o uso da cloroquina contra Covid-19 incorrem em violação de um artigo do código de ética da profissão que versa contra publicidade de terapias.

Se os conselhos sofrem pressão da comunidade médica para endurecer posição contra a cloroquina, por outro lado o Ministério da Saúde continua pregando o tratamento precoce com cloroquina. Procurado pelo GLOBO, o CFM não se manifestou sobre a questão específica de punição ética aos médicos, e citou um dos pareceres emitidos em 2020, afirmando que

“Até o momento,não existem evidências  robustas  de  alta  qualidade  que  possibilitem  a  indicação  de  uma  terapia farmacológica específica para a Covid-19”

Já o Cremesp, de São Paulo, diz que tem combatido tratamentos sem eficácia e cita sua condenação a um "soro da imunidade" anunciado como panaceia, mas diz estar de acordo com o salvo conduto dado pelo CFM a médicos que prescrevem hidroxicloroquina "diante da excepcionalidade" da pandemia, sem puni-los por infração ética.

"No que diz respeito à publicidade, é vedado ao médico, a divulgação de tratamentos sem comprovação científica, o sensacionalismo e a autopromoção", diz a entidade. "Ao divulgar informações sobre tratamento para a Covid-19, o médico deve estar atento aos limites da publicidade."

O Cremesp afirma que já abriu sindicâncias para apurar alguns casos que configuram esse tipo de comunicação indevida, mas os processos correm em sigilo.

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