Pacientes que haviam perdido os movimentos há anos por lesões na coluna vertebral recuperaram parcialmente sensações e controle muscular de seus membros inferiores após treinamento com dispositivos robóticos – os exoesqueletos, como o usado na Copa do Mundo em 2014 .
O projeto “Walk Again” – andar de novo–, realizado na Universidade de Duke, nos Estados Unidos, foi liderado pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis e publicado na revista científica Scientific Reports. Os cientistas usaram um sistema não invasivo chamado eletroencefalografia externa (EGG), controlado por eletrodos instalados sobre o couro cabeludo de pacientes, para movimentar exoesqueletos e elementos de realidade virtual.
Esses sistemas estabeleceram uma comunicação direta entre o cérebro e computadores, ou entre o cérebro e próteses como membros robóticos. Nicolelis trabalha há 20 anos na construção de sistemas que registrem centenas de sinais simultâneos emitidos pelos neurônios, extraindo comandos motores desses sinais e traduzindo-os em movimentos.
O objetivo é permitir que pessoas com lesões na coluna vertebral, sequelas de acidentes vasculares cerebrais possam recuperar a força, a mobilidade e a independência. Mas, com o novo estudo, os cientistas acreditam que o treino de longo prazo pode induzir os pacientes a uma recuperação neurológica.
LEIA MAIS: Repórter da BBC dá primeiros passos em 10 anos com exoesqueleto
"Nós não poderíamos ter previsto esse resultado clínico surpreendente quando começamos o projeto. O que estamos mostrando nesse artigo é que os pacientes que fizeram o treinamento por um longo período tiveram avanços em seu comportamento motor, nas sensações táteis e em funções viscerais abaixo da linha da lesão na coluna vertebral", afirmou Nicolelis, que dirige o Centro Duke de Neuroengenharia.
De acordo com Nicolelis, com treinamentos semanais, o organismo dos pacientes em reabilitação restabeleceu as funções de nervos da coluna vertebral que haviam sobrevivido ao impacto de desastres automobilísticos, quedas e outros traumas que haviam paralisado seus membros inferiores. No início da reabilitação, cinco participantes já estavam paralisados há pelo menos cinco anos. Outros dois já estavam paralisados há mais de uma década.
Você viu?
Uma das participantes que apresentou as mudanças mais expressivas é uma mulher de 32 anos que estava paralisada há 13 anos na época do início do experimento. Ela não conseguia se levantar usando muletas, mas, ao longo do estudo, se tornou capaz de mover suas pernas voluntariamente enquanto o peso de seu corpo era suportado por uma armadura.
"Um estudo anterior havia mostrado que uma ampla porcentagem dos pacientes diagnosticados com paraplegia completa podem ainda ter alguns nervos espinhais intactos. Esses nervos podem ficar inativos por anos porque não há sinais emitidos do córtex cerebral para os músculos. Com o tempo, o treinamento com a interface cérebro-máquina pode ter reacendido esses nervos. Talvez um pequeno número de fibras tenha permanecido intacto, mas isso foi suficiente para converter sinais da área cortical motora do cérebro para a coluna vertebral."
Treinamento
Em uma fase do treinamento, os pacientes utilizavam um dispositivo que incluía óculos de realidade virtual, onde era mostrado um avatar tridimensional de uma pessoa. Os cientistas pediam ao paciente que imaginassem movimentos de seus próprios corpos para fazer o avatar andar.
Todos os pacientes aprenderam a usar apenas sua atividade cerebral para mover o corpo virtual, que representava um jogador de futebol andando em um estádio. Utilizando um dispositivo batizado de "camisa tátil", os pacientes também recebiam um fluxo contínuo de estímulos táteis todas as vezes que os pés do avatar tocavam o chão.
LEIA MAIS: A mulher que vive com um rim de 100 anos doado pela sua mãe
Vários dos pacientes já apresentaram transformações após sete meses de treinamento. Depois de um ano, as sensações e o controle muscular de quatro dos pacientes foi modificada de maneira tão considerável que os médicos mudaram seus diagnósticos de paralisia completa para paralisia parcial, segundo o artigo.
A maior parte dos pacientes apresentou melhora no controle da bexiga e nas funções dos intestinos, reduzindo sua dependência de laxantes e catéteres, segundo Nicolelis. Essas mudanças reduzem o risco de infecções que são altos entre pacientes com paralisia crônica, de acordo com o cientista.
*Com informações do Estadão Conteúdo