Em 2015, o Instituto Central do HC realizou 511 transplantes, entre eles 195 de rim, 120 de medula óssea e 96 de fígado
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Em 2015, o Instituto Central do HC realizou 511 transplantes, entre eles 195 de rim, 120 de medula óssea e 96 de fígado

O metalúrgico aposentado Carlito Candido da Silva, de 69 anos, estava fazendo reparos na lavanderia de sua casa quando acabou caindo de uma escada. O impacto foi tão forte que sua filha Camila Freitas, de 24, comparou o barulho com o de uma batida de carro. O diagnóstico de morte encefálica veio após quase uma semana de internação.

“Os médicos fizeram os exames de reflexo. Meu pai não mexia os olhos, a pálpebra, não mexia nada”, explica Camila. Conhecendo o lado caridoso do pai, que tinha o costume de doar sangue, a filha autorizou a doação de órgãos . Os médicos conseguiram usar a córnea, os fígados e os rins de Silva. Também é possível doar intestino, pâncreas, coração, pulmão e tecidos como medula óssea.

“Espero que tenha dado tudo certo para quem recebeu os órgãos. Foi uma boa maneira de lidar com o luto. Não tinha o que fazer pelo meu pai, mas eu pude doar vida”, disse a relações públicas que tinha apenas 21 anos na época.

Porém, nem todo mundo aceitou a decisão de Camila. Um familiar de Silva acreditava que ainda poderia haver alguma alternativa para o aposentado e não queria aceitar a doação de órgãos . A Dra. Débora Terrabuio, do Hospital das Clínicas de São Paulo, explica que ainda há muita “fantasia” em relação à morte do paciente.

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Arquivo pessoal

Doação de órgãos de Carlito Candido da Silva possibilitou transplantes de córnea, fígado e rim

“As pessoas ficam em dúvida se o parente está realmente morto. Pensam que o médico pode matar o paciente mais rápido. Só que ele só está respirando por aparelhos. O procedimento não vai matar a pessoa. Ela, na verdade, já morreu. E a morte pode servir para ajudar outras pessoas”, afirma a especialista.

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Quando a doação é feita após a morte de um paciente, normalmente se dá por morte encefálica, que pode ocorrer após um derrame, afogamento, acidente de trânsito ou queda, como no caso de Silva. Não é preciso assinar nenhum documento em vida para autorizar o procedimento, já que os médicos têm que obedecer à vontade da família neste caso.

Outra preocupação dos familiares é em relação ao estado do corpo após a doação. Camila tinha dúvidas de como ficaria a aparência do pai após a retirada da córnea, mas pôde ficar tranquila ao ver que não parecia ter tido interferência alguma dos médicos. “Eles deixaram o corpo perfeito para o velório.”

Silva foi o primeiro da família a doar órgãos. A mãe de Camila, Marizete Freitas da Silva, de 53 anos, também se posicionou contra a doação no início, mas, hoje, tem até vontade de conhecer alguém que recebeu os órgãos do marido.

Conscientização

Sabendo que ainda há muito preconceito em relação ao procedimento, pacientes na lista de espera de um transplante e transplantados de fígado vão realizar uma ação de conscientização nesta terça-feira (27), Dia do Doador de Órgãos e Tecidos, em frente ao Hospital das Clínicas. Médicos assistentes e residentes também vão estar no local para esclarecer as dúvidas da população das 9h às 16h.

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No ano passado, o Instituto Central do Hospital das Clínicas realizou 511 transplantes: 195 de rim, 120 de medula óssea, 96 de fígado, 93 de córnea e sete de pâncreas. Dra. Débora Terrabuio diz que o número de doações tem aumentado, porém o de pacientes precisando de um órgão também. “Falando da minha área (hepatologia, que é o estudo do fígado), até 30% dos pacientes morrem esperando por um fígado. Se alguém tem vontade de doar pós a vida, tem que deixar claro para a família.”

“Meu pai morreu de uma hora para outra. O maior problema é o medo de desligar a máquina, mas o melhor jeito de lidar com o luto é aprendendo que a pessoa pode ter morrido para dar a outra uma segunda chance”, completa Camila.

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