A cantora americana Lady Gaga anunciou, na segunda-feira (18), o adiamento de sua turnê pela Europa por causa das fortes dores que está sofrendo devido a uma doença que, até o momento, é pouco conhecida pela população: a fibromialgia. Dias antes, na quinta-feira (14), ela já havia informado aos fãs brasileiros que não poderia vir ao show no Rock in Rio pelo mesmo motivo.
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Desde então, os consultórios de reumatologistas receberam muito mais pacientes e a procura no Google sobre fibromialgia aumentou significativamente. (Veja o gráfico abaixo com os dados da quantidade de pesquisas no site de buscas dos últimos 30 dias. O maior pico foi na semana passada, quando a cantora se manifestou).
Porém, para o estudante Lucas Santiago, que é fã da estrela, não foi preciso pesquisar sobre o tema, já que a sua mãe, Carmen Soares Santiago, foi diagnosticada com fibromialgia há cinco anos e ele acompanha o tratamento.
“Vi muita gente procurando saber sobre a doença, a mídia noticiando, e isso é muito legal. Quando minha mãe apresentou os primeiros sintomas, nós não sabíamos o que era, porque os exames não mostravam nada de diferente, e acho que isso atrapalhou porque demoramos mais pra iniciar o tratamento”, contou ele.
A doença, que não tem cura, é uma síndrome de dor generalizada pelo corpo todo. O sofrimento chega a ser tanto que, ao mínimo toque, o paciente agoniza, podendo ficar debilitado, além de poder desenvolver depressão, insônia e fadiga. Entre 2% a 4% da população mundial possuem a condição, mas o número pode ser ainda maior, já que o diagnóstico nem sempre é tão simples de ser feito.
Por isso, os especialistas também enxergam a repercussão como algo positivo, como uma oportunidade de esclarecer à sociedade sobre a patologia. “Para nós, é importante, porque muitas pessoas que não sabem o que têm acabam se identificando com a doença e procurando ajuda. Recebemos vários pacientes nos consultórios por curiosidade ou identificação quando uma pessoa pública se manifesta sobre alguma condição”, avaliou Tatiana Hasegawa, reumatologista do Centro de Qualidade de Vida.
“Apesar de poder assustar e comover, é importante que se fale sobre o assunto, pois chama a atenção para algo que geralmente não é debatido”, destacou o reumatologista Georges Basile Christopoulos, presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), que citou como um desafio para o tratamento da doença a falta de variedade nas medicações destinadas à síndrome com cobertura pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ele acredita que, com o debate sobre o assunto na mídia, as chances de conseguir comover o governo para a liberação de mais drogas para o alívio da dor sejam maiores.
Tatiana também destaca que conhecer sobre a patologia é fundamental para quem sofre com a enfermidade. “Se a pessoa não tiver consciência corporal da sua limitação, de como será o tratamento, ela não terá uma resposta efetiva”.
Outras doenças
Na mesma semana em que Lady Gaga fez sua publicação sobre a condição, a cantora Selena Gomez também havia divulgado que, por conta do lúpus – outra doença reumática -, precisou de um transplante de rim.
"Eu descobri que precisava fazer um transplante de rim devido a meu lúpus e estava em recuperação. Isso é algo que eu precisava fazer por minha saúde. Honestamente, estava ansiosa por dividir minha jornada por vários meses, assim como eu sempre esperei fazer isso com vocês", escreveu Selena em uma postagem nas redes sociais.
Em 2010, Gaga já havia revelado que tinha lúpus. Em 2013, ela se manifestou sobre suas dores crônicas no Twitter. "Quero ajudar a aumentar a conscientização sobre esse tema e conectar as pessoas que tem fibromialgia”, disse a celebridade. O post realmente ajudou na divulgação do tema, e fez várias pessoas compartilharem suas histórias sobre a síndrome nas redes sociais.
Os médicos alertam que, ao compartilhar esses relatos com o público, as cantoras contribuem para que a possibilidade do tratamento de outras doenças associadas ao lúpus, fibromialgia, e até mesmo artrose ou artrite reumatoide, também seja ampliada, inclusive em casos de pacientes que já apresentam alguma condição reumatológica.
“Muitas vezes, os sintomas são semelhantes, o que pode remeter a inúmeras outras doenças que podem ser similares ou coexistentes. Um terço dos pacientes com artrite reumatoide, por exemplo, pode ter fibromialgia associada”, ressaltou Christopoulos.
Dr. Google
Porém, é preciso tomar cuidado com as informações que se tornam públicas, sempre checando a fonte, dando preferência a documentos elaborados por médicos ou sociedades e entidades. Ou até mesmo consultar um médico antes de tomar alguma providência e seguir orientações duvidosas. “Infelizmente, uma parte das pessoas vai pesquisar a respeito da patologia no ‘Dr. Google’ e acaba seguindo orientações inadequadas, que não são comprovadas como solução para as dores”, declarou o especialista.
No caso da fibromialgia, a condição pode ser controlada com drogas, mas há também atividades não invasivas, sem uso de remédios, que atuam na diminuição dos sintomas de maneira bastante eficaz. No tratamento não medicamentoso da doença, por exemplo, a prática de atividades como natação, hidroginástica, ioga, e outros exercícios de baixo impacto podem aliviar a dor e melhorar a qualidade de vida do paciente. No entanto, é fundamental que um especialista seja consultado antes de usar a técnica como medida única para o controle da síndrome. “Algumas técnicas, como a acupuntura, por exemplo, não possuem nenhuma comprovação de eficácia para a fibromialgia”, completou o presidente da SBR.
Doença
Sete vezes mais comum em mulheres do que nos homens, a condição pode acontecer em qualquer idade, mas a maior incidência é entre 30 e 55 anos. “Não há uma comprovação da causa da doença, mas acredita-se que ela se manifesta quando há uma diminuição na quantidade da substância que provoca o bem-estar, a serotonina, o que faz o paciente ter maior sensibilidade a dor”, explicou Tatiana.
Por ser uma condição que não é identificada por meio de exames laboratoriais, o diagnóstico pode ser, muitas vezes, mais difícil. “O diagnóstico se dá segundo os critérios do Colégio Americano de Reumatologia. Não existe um teste, é um diagnóstico clínico, e é preciso descartar qualquer outra possibilidade antes de iniciar o tratamento”, apontou Christopoulos.
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O reumatologista também destaca que o acolhimento da família é outro ponto fundamental. “Como não há um exame que mostre que a pessoa é portadora daquele problema, muitas vezes a família não dá o devido valor, o que provoca muita angústia no paciente”.