A falta de investimentos em pesquisas e campanhas para evitar a transmissão do HIV está colaborando para que os esforços destinados a conter o avanço da Aids, doença causada pelo vírus, sejam cada vez menores.
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As informações são de um documento publicado pela revista científica The Lancet , assinado por uma comissão de 47 pesquisadores especialistas que discutem como a transmissão do HIV está acontecendo no mundo.
O grupo acredita que o mundo não conseguirá cumprir as metas definidas pelos estados-membros da ONU e pede mudanças urgentes na maneira como a doença é tratada e controlada.
De acordo com a ONU, aproximadamente 37 milhões de pessoas vivem com o vírus ao redor do mundo. A cada ano, 1,8 milhões de novos casos são notificados.
Segundo os dados sobre HIV no Brasil , são mais de 880 mil pessoas na mesma situação, conforme divulgado no último Boletim Epidemiológico de HIV/Aids pelo Ministério da Saúde em dezembro de 2017. Anualmente são registrados 40 mil novos casos da condição no País.
Segundo a Comissão da Lancet, o número de novos casos de HIV/Aids diminuiu nos últimos anos, no entanto, a queda tem acontecido lentamente, o que pode dificultar as chances de alcançar a meta da UNAids de restringir as novas infecções anuais a 500 mil até 2020.
Ainda assim, os grupos marginalizados - jovens, especialmente mulheres, de países em desenvolvimento - continuam com índices de infecção pelo vírus alarmantes. Essas populações também são as que mais têm dificuldade de acesso ao tratamento.
O investimento no combate ao vírus foi outro ponto citado pelos especialistas. Eles dizem que, nos últimos anos, o financiamento mundial ficou em torno de R$ 74 bilhões, o equivalente a R$ 27 bilhões a menos do que o necessário para atingir o objetivo traçado pela UNAids.
"Apesar do progresso extraordinário na resposta ao HIV, a situação ficou estagnada na última década", declarou Linda-Gail Bekker, presidente da Sociedade Internacional de Aids e professora da Universidade de Cidade do Cabo, na África do Sul.
"Revigorar esse trabalho vai nos exigir bastante, mas a saúde e o bem-estar futuros de milhões de pessoas exigem que enfrentemos esse desafio."
Estratégias para pôr fim à transmissão do HIV
O grupo de pesquisadores da Lancet sugere que haja mais colaboração entre profissionais de saúde e que o tratamento da condição seja incorporado a outras áreas do sistema de saúde.
Dessa forma, evitaria o chamado "excepcionalismo" do HIV, que acontece quando o destino dos fundos e serviços vão, especificamente, para o combate ao vírus. Assim, o teste de HIV poderia, por exemplo, ser incluído entre os testes para doenças não contagiosas como diabetes e hipertensão.
A Índia é citada pelos cientistas como exemplo. Conforme eles registraram no relatório, se os tratamentos e testes de HIV fossem combinados com os que são próprios para a sífilis entre mulheres profissionais do sexo e homens homossexuais - dois dos grupos mais vulneráveis ao vírus da Aids -,a taxa indiana de novos casos poderia ser reduzida em 7%, entre 2018 e 2028.
De acordo com dados do Ministério da Saúde sobre o HIV no Brasil, os jovens homossexuais figuram entre a parcela de pessoas em que houve os maiores aumentos de registros de Aids.
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"Do ano de 2006 para o de 2016, a taxa de detecção de casos de Aids por 100 mil habitantes quase triplicou entre os homens de 15 a 19 anos. Entre os de 20 a 24 anos, a taxa mais que duplicou", afirma o órgão.
"Os sistemas de saúde devem ser desenhados para suprir as necessidades das pessoas a quem eles servem, incluindo ter a capacidade de abordar múltiplos problemas de saúde simultaneamente", disse o epidemiologista Chris Beyrer, um dos autores do relatório.
"Ninguém deve ser esquecido em nossos esforços para alcançar um sistema de saúde sustentável."
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Fim da epidemia de HIV
O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse nesta segunda-feira (23) que a epidemia de HIV no mundo não terá fim sem que haja políticas direcionadas para as chamadas populações-chave – sobretudo gays, homens que fazem sexo com homens, trabalhadores do sexo, usuários de drogas e população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais e transgêneros).
“A melhor forma de abordar todo o espectro de suas necessidades de saúde é por meio de sistemas de saúde fortes baseados numa atenção primária centrada nas pessoas e que seja direcionada para alcançar saúde para todos”, publicou Tedros em seu perfil na rede social Twitter.
O diretor-geral da OMS participa hoje da cerimônia de abertura da 22ª Conferência Internacional sobre Aids, que ocorre até a próxima sexta-feira (27) em Amsterdã, na Holanda. O encontro é considerado o maior do mundo sobre o tema e deve reunir especialistas em ciência, direitos humanos e defesa dos interesses de quem vive com HIV.
O tema deste ano é Quebrando Barreiras, Construindo Pontes. A proposta é chamar a atenção para desafios como estigma, preconceito e outros problemas enfrentados por quem vive com o vírus em algumas partes do mundo, incluindo populações-chave do leste europeu e da Ásia Central, assim como do Oriente Médio e do Norte da África.
Dados da OMS revelam que homens que fazem sexo com homens, trabalhadores do sexo, pessoas transexuais, usuários de drogas e pessoas encarceradas respondem por 40% das novas infecções por HIV registradas em 2016.
PrEP no Brasil
No início deste ano, o sistema público de saúde de alguns estados brasileiro começou a oferecer gratuitamente um medicamento que previne a infecção pelo HIV.
Para garantir a proteção contra o HIV , o uso do antirretroviral deve ser contínuo. Para receber do Serviço Único de Saúde (SUS) a Profilaxia Pré-Exposição, ou PrEP, como é conhecido esse tipo de tratamento, o indivíduo deve ser soronegativo, ou seja, não viver com o vírus, e fazer parte do grupo de vulnerabilidade, que inclui homens que fazem sexo com homens, profissionais do sexo, transexuais e casais sorodiferentes - quando apenas um deles possui o vírus.
O Brasil é o primeiro país da América Latina a contar com essa profilaxia – recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 2012 - entre as alternativas de prevenção ao HIV em seu sistema público de saúde.
Atualmente, a tecnologia é comercializada na rede privada dos Estados Unidos, da Bélgica, da Escócia, do Peru e do Canadá. O fármaco usado no tratamento também já estava disponível no Brasil, e custa aproximadamente R$ 290 uma caixa que dura um mês. Sendo assim, o Brasil acaba de entrar no ranking dos poucos países que disponibiliza a PrEP na rede pública de saúde, junto da França e da África do Sul.
A PrEP faz parte de uma nova abordagem para a transmissão do HIV . Trata-se de um cardápio de tecnologias de prevenção ao HIV/Aids, que inclui o tradicional preservativo, mas também a testagem, tratamento, imunização, diagnóstico, redução de danos, prevenção à transmissão vertical e a Profilaxia Pós-Exposição, que dão à pessoa e ao profissional de saúde a possibilidade escolher uma metodologia ou combinar várias que se adaptem às necessidades e ao momento de vida do usuário.
*Com informações da Agência Brasil