Quantas das pessoas que você conhece sofrem de depressão? Se a resposta for “nenhuma”, é possível que existam casos escondidos ao seu redor. Apesar de atingir mais de 322 milhões de pessoas no mundo, a doença - assim como os demais transtornos psicológicos - ainda é um tabu.
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Entre o medo de falar sobre o tema e o preconceito em torno do assunto, muitos dos que convivem com a depressão preferem o silêncio, um agravante para a maioria dos casos. Quebrá-lo, porém, é possível e pode salvar vidas.
Na última segunda-feira, a fotógrafa Ana Quesado postou, pela primeira vez, uma selfie em seu perfil profissional . Apesar da pose sorridente, a legenda trouxe um tema que surpreendeu muitos seguidores. “Quem imaginaria que essa criatura que vive morrendo de rir de tudo seria diagnosticada com transtorno de personalidade borderline, depressão e ansiedade?”, diz o post.
Ana, que recebe acompanhamento psiquiátrico desde o início do ano, enxergou a publicação como uma necessidade. "Me deu vontade de gritar pro mundo que não estou psicologicamente bem, mas vou ficar. Quero deixar avisado que na depressão a gente também sorri”, escreveu.
Aos 24 anos, a fotógrafa conta que a falta de informação quase a impediu de iniciar o tratamento. “Passei muito tempo da minha vida sem saber o que era borderline, mesmo apresentando vários sintomas. Por não conhecer os sinais, achava que era normal”.
Menos comum do que transtornos como depressão e ansiedade, a síndrome de Borderline - que também pode levar ao suicídio - é caracterizada por mudanças bruscas de humor, medo do abandono e comportamentos impulsivos como impulsos alimentares, por exemplo.
“Até o momento de procurar ajuda, eu fui agressiva com algumas das pessoas que mais amo vida. Passei três anos resistente à ideia de ir ao médico, enquanto meu namorado dizia que eu precisava de ajuda”, desabafa.
Para o médico neurocirurgião e neurocientista Fernando Gomes, o medo de sofrer preconceito, aliado à falta de informação sobre os tratamentos adequados engatilham casos como o de Ana. “As doenças relacionadas à saúde mental podem ser interpretadas por pessoas de fora como frescura, falta de atitude, medo ou covardia. Por conta disso, as pessoas que passam por esse processo e ainda não estão no ‘fundo do poço’, acabam tentando resolver a situação sozinhas”, diz.
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Jovens são as maiores vítimas do estigma
No mês passado, o Ibope divulgou uma pesquisa alarmante sobre a saúde mental no Brasil. De acordo com o estudo, 39% dos adolescentes afirmaram que, caso recebessem o diagnóstico de depressão, não revelariam para os familiares. Também são eles os que mais se matam, tornando o suicídio a quarta maior causa de morte entre os jovens no país e a segunda no mundo inteiro.
Assim, o suicídio entre jovens é o foco da campanha Setembro Amarelo deste ano, que - diante da urgência em abrir o diálogo sobre o assunto - há cinco anos convida empresas, governos e o público em geral a participarem do projeto de conscientização contra o suicídio.
Para o psicanalista Ronaldo Coelho, que mantém um canal no Youtube
sobre o assunto, o tabu no grupo mais jovem se ancora em vários motivos. “Além do falso entendimento de que a doença deriva de ‘fraqueza’ e, por isso, seria motivo de vergonha, existe a hipótese de que esses jovens não querem preocupar seus pais. Há, ainda, a ideia de que um diagnóstico psiquiátrico poderia retirar da pessoa a sua capacidade de decisão sobre a própria vida, fazendo-a refém daquilo que terceiros decidam sobre sua vida”, comenta.
Em São Paulo, existem instituições especializadas que oferecem auxílio psicológico, terapias e plantões psiquiátricos para todas as idades e de graça. No infográfico abaixo, é possivel saber mais informações sobre esses espaços e como agendar uma consulta.
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Informação é o melhor caminho
Com o objetivo de reforçar o diálogo sobre a saúde mental, o jornalista Elton Ramon publicou, no ano passado, o projeto “Mal dos Séculos”
, no qual traçou um perfil sobre o olhar das pessoas sobre o assunto e sobre si mesmas. A surpresa para Elton chegou quando, ao realizar as pesquisas para o projeto, percebeu os sintomas da doença nele próprio.
“Estudar o assunto mudou completamente minha perspectiva. Eu tinha a ideia da pessoa depressiva como alguém triste, isolada, que não sai de casa nem sorri. Quando entendi a complexidade da doença e identifiquei alguns dos sintomas, criei coragem para buscar um psiquiatra”, conta.
Hoje, o rapaz de 27 anos diz que defende a abordagem responsável sobre a depressão com ainda mais vontade. “Nós encontramos informações sobre remédios, sobre doenças. Encontramos pesquisas sobre o assunto mas às vezes falta o mais básico, que é a compreensão de como a pessoa depressiva se sente. Como ela pensa, de qual apoio precisa”.
Para Ronaldo Coelho, a mesma lógica deve ser seguida sobre os tratamentos. “Quem está passando por um bom processo psicoterápico deve falar sobre sua experiência. Esse é, inclusive, o melhor caminho para convencer alguém de que a terapia pode ser benéfica. É muito melhor do que dizer a outra pessoa o quanto ela ‘precisa’ ou do quanto seria bom para ela”.