Mndetta
José Cruz/ABr
Ministro Luiz Henrique Mandetta

BRASÍLIA- O Conselho Federal de Medicina (CFM) prepara um parecer sobre uma das principais polêmicas do governo no combate ao coronavírus: se recomendará ou não o uso da cloroquina desde antes da fase de internação. Enquanto define qual será a posição do órgão sobre o tema que opõe Jair Bolsonaro e Luiz Henrique Mandetta, em entrevista ao GLOBO, o presidente do CFM, Mauro Luiz de Britto Ribeiro defendeu a permanência do ministro à frente da pasta da Saúde.

Segundo Ribeiro, as medidas implementadas por Mandetta, como a recomendação de higienização e isolamento social, têm sido eficazes no combate à covid-19. Ele afirma ainda que não comprovação científica da eficácia da hidroxicloroquina e da cloroquina no tratamento da covid-19, mas que o conselho buscará um meio termo na recomendação, uma vez que a droga está sendo amplamente prescrita no Brasil para o tratamento da doença.


Ao GLOBO, Ribeiro disse ainda que o CFM prepara um estudo sobre o número de médicos vítimas da covid-19 e que o balanço será divulgado ao fim da pandemia. O presidente do CFM criticou a decisão do MEC de permitir a antecipação da formatura de estudantes de medicina, o que, segundo ele, prejudicará a formação dos futuros profissionais.

O CFM tem algum balanço sobre a quantidade de médicos que já foram infectados pela covid-19?

Temos relatos de morte, mas de forma pontual. Hoje falamos para todos os presidentes dos conselhos regionais para fazermos um balanço e termos o número de médicos que estão morrendo. Como quando há morte é dada a baixa na carteira no Conselho e o atestado de óbito é anexado, vamos ter esses números. Hoje não existe um número oficial, só recebemos relatos. Essa semana morreram dois médicos no mesmo dia em Manaus, de ontem para hoje morreu uma médica de 60 anos em outro estado. Mas vamos ter esse balanço sim. Vamos divulgar no final da pandemia esses números.

Observando o cenário de hoje, é possível estimar quanto tempo nosso sistema de saúde suporta a epidemia?

O que existe hoje é um situação totalmente politizada em que todo mundo acha alguma coisa sem nenhum dado palpável em relação a isso. Quando vai ser o pico de comprometimento de infectados no Brasil? O ministro tem sido muito cobrado por isso, porque ele mudou a data. Mas compreendemos perfeitamente, porque essa situação não é estática, ela muda a cada dia, a cada semana. Não podemos esquecer que é uma doença desconhecida, muito do que sabemos é o que vem de fora da experiência de outros países. Nós acreditamos de uma forma empírica que as medidas tomadas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro através do ministério da Saúde pelo ministro (Luiz Henrique) Mandetta vão impactar na curva.

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Quando você olha a curva de mortalidade no Brasil comparada com os outros países nessa mesma fase que estamos passando, a curva é baixa, mas existe subnotificação de morte. Também existe um número muito maior de pacientes infectados no Brasil. Certamente a taxa de letalidade do Brasil, que hoje gira em torno de 5%, na realidade é muito abaixo disso.

Qual a causa dessa subnotificação?

Estamos testando 256 pacientes por milhão de habitantes, a Alemanha testa 16 mil por milhão, a Coreia testou 15 mil por milhão. Precisamos testar mais. A testagem não está sendo feita não por incompetência do ministério, a pasta comprou testes, o problema é que ninguém entrega. O mundo quer os mesmos insumos e o Brasil está pagando um preço por isso.

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Quais os principais obstáculos na contenção da epidemia?

Essa é uma doença terrível, sem precedentes na História da Humanidade, porque é altamente transmissível, colapsa o sistema de saúde dos países e do mundo, mas não só isso, colapsa o sistema econômico e financeiro mundial, e o sistema social também, porque as pessoas têm que se isolar e afastar. No momento em que a pessoa está mais fragilizada, quando está doente, tem que ficar isolada. Ninguém sabe lidar com essa doença, não existe uma garantia de 100% de como prevenir. Essa doença causa a falência de milhares, aumenta em milhões o número de desempregados. O maior obstáculo é que é uma doença desconhecida e avassaladora.

Como lidar com isso?

Quando o ministro defende de forma muito veemente, a ponto de criar uma crise dentro do governo, a higienização e o isolamento horizontal ele está baseado naquilo que os países de primeiro mundo têm feito. Mas quando o presidente Bolsonaro é favorável à flexibilização, e aí não vai nenhuma contradição na minha fala, ele está vendo a visão do todo como presidente: do caos da saúde, do caos financeiro e social. Enquanto o ministro da saúde parece ter uma visão mais voltada para ciência e para saúde. Na realidade, ninguém sabe ao certo. A pergunta de um milhão de dólares é: Deve se fazer o afastamento social? Qual melhor momento para que os países voltem a liberar (a circulação)? Ninguém tem uma resposta certa. Nós do CFM defendemos o que se faz nos países de primeiro mundo, que é a higienização e o afastamento social, porque isso tem sido feito nos países que estão na fase mais avançada da doença e com um bom resultado.
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Como o senhor avalia uma possível demissão do ministro Luiz Henrique Mandetta nesse momento?

Não cabe ao CFM fazer qualquer tipo de comentário da situação política. Mas o ideal é que ele continuasse com a equipe dele, já que ele está à frente desse processo desde o início. A saída do ministro nesse momento não seria de interesse da população brasileira, já que existe uma política implantada pela equipe do ministro que aparentemente está sendo muito bem sucedida. Mas caso essa situação aconteça, não cabe por parte do CFM qualquer tipo de crítica ao presidente da República. Ele foi legitimamente eleito, é o nosso comandante, o líder da nação, mas que isso seja feito de forma menos traumática possível, para que a população não sofra os efeitos dessa contenda entre o Ministério da Saúde e o presidente da República.

O ministro da Saúde pediu um posicionamento do CFM sobre o uso da cloroquina no tratamento da covid-19. Quando esse parecer será emitido? Qual a posição do conselho?

Estamos deliberando sobre isso. Está bem politizada a questão da hidroxicloroquina e da cloroquina. São drogas extremamente conhecidas nas suas farmacologias em relação ao tratamento de outras doenças, mas ninguém sabe a ação da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. Essa questão se politizou no Brasil. Todo mundo tem opinião em relação ao uso da hidroxicloroquina no tratamento da covid. Fizemos reuniões com as sociedades de especialidades que têm afinidade sobre esse assunto e hoje não existe na literatura mundial por grupos de cientistas reconhecidos nenhum trabalho que mostre qualquer tipo de eficácia da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. Não tem nenhum estudo que mostre a segurança do tratamento em relação à covid. O que existe na literatura são estudos observacionais que têm muito pouco valor científico, não tem nenhum valor em relação à medicina baseada em evidências.

Por quê?

A medicina baseada em evidências tem que fazer protocolos clínicos nos quais se compare grupos para identificar se a hidroxicloroquina teve ou não algum tipo de impacto nos chamados eventos duros, como o tempo de CTI de um paciente. Não existe esse estudo até hoje na literatura, alguns estão sendo feitos na Europa, no Canadá, mas ainda não foram divulgados e estamos no escuro. Mas por causa disso a hidroxicloroquina não pode ser utilizada? Ela tem sido amplamente utilizada no Brasil. É esse o ponto de equilíbro que o CFM vai definir nos próximos dias. Não existe evidências científicas, não temos segurança necessária, mas existem estudos observacionais. Alguns são favoráveis, outros acham que piora o quadro desses pacientes e nós vamos definir (como prescrevê-la). Estamos bastante avançados no processo, ouvindo sociedades de especialistas para chegar a uma conclusão. Também estamos levantando tudo que existe em relação a entidades internacionais.


O Ministério da Educação (MEC) permitiu a antecipação da formatura de médicos. Qual a opinião do CFM sobre isso?

O CFM é totalmente contra. Tivemos a oportunidade de colocar a posição em reunião dentro do Ministério da Saúde com o MEC e questionamos quantos acadêmicos estariam nessa situação, a informação que temos é que o MEC desconhecia esse dado. Somos contra porque isso amputa 25% do momento mais importante do curso de Medicina que é o internato, onde o médico já tem a carga teórica e está aplicando aquilo na prática. Não sabemos quantos acadêmicos se formarão nessa situação. Não existe nenhuma garantia de que esses médicos formados e com CRM vão atender ao chamamento do governo para atender pacientes com covid-19. Colocando isso na balança ela é altamente desfavorável.

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