O banco de dados do Ministério da Saúde lista, como vacinadas, 2.355 pessoas com menos de 18 anos. A princípio, a vacinação para esse grupo não é permitida, já que nem a CoronaVac, nem o imunizante da Oxford/AstraZeneca foram testados em menores de idade. Procurada, a pasta não informou se menores de idade foram mesmo vacinados ou se os dados de idade e data de nascimento de adultos foram inseridos de forma errada. Para especialistas, as incoerências nos dados são consequência de erro de registro no sistema.
Na análise feita pelo GLOBO, há pelo menos dez plataformas diferentes para inserir dados de pessoas vacinadas no banco de dados. Até esta quinta-feira, 6,3 milhões de pessoas haviam sido vacinadas no Brasil.
As inconsistências de idade não são as únicas no banco de dados. No último domingo, uma análise de dados feita pelo GLOBO revelou que 19% dos vacinados foram identificados como preto ou pardos. Até aquele momento, 1 a cada 4 das pessoas imunizadas não tinham sua cor identificada. O recorte por cor é considerado importante porque é um marcador que, no Brasil, reflete também questões sociais e econômicas.
Nas últimas semanas, o ministério já lidou com críticas sobre problemas em organização e logística, destacados pelo episódio de envio da quantidade de doses reservadas ao estado do Amapá para o estado do Amazonas, que ficou com 70 mil doses a menos do que o que tinha direito de acordo com sua população.
A lista de vacinados do ministério apresenta algumas situações curiosas, como o caso de três motoristas de ambulância que receberam a imunização, mas, segundo o registro, têm 5, 9 e 10 anos.
"No cadastro de pessoas vacinadas, devem ter erros de registro e cada município, estado e nível federal deve analisar os resultados possivelmente errados. Acredito que a hipótese mais provável seja essa, e não de fraude. A probabilidade de menores de 18 anos serem vacinados acho que é muito baixa", afirmou José Cássio de Moraes professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa-SP.
A planilha tem tanto o dado das idades dos vacinados como também o de sua data de nascimento. Há casos, por exemplo, em que a idade aparece como sendo "0", embora o cidadão tenha nascido em 1971. Na análise feita pelo GLOBO, foram filtrados apenas os registros com data de nascimento após 25 de fevereiro de 2003 e idade abaixo de 18 anos.
A maioria dos dados tem como sistema de origem o “Novo PNI”. Tecnicamente, não deveria haver incompatibilidade na data de nasicmento de pessoas que já estavam cadastradas no SUS, seja por ter Cartão Nacional de Saúde, seja pelo seu CPF.
Entre os 2.355 registros indentificados pelo GLOBO, a maioria é de pessoas que foram vacinadas dentro do grupo de "trabalhadores de saúde", 1.765 pessoas. Eles são seguidos por 395 menores de idade que foram imunizados na categoria de população indígena.
Segundo a norma do Ministério da Saúde que regulamentou esse registro, a identificação nos grupos prioritários é feita por meio de pesquisa na base de dados do CADSUS, quando no caso de faixa etária, e no CNES, no caso de trabalhadores de saúde. A falta de cadastro prévio não é motivo para deixar de vacinar o cidadão, mas, neste caso, ele deverá apresentar comprovante de que pertence a esses grupos.
"Como é possível cruzar os dados de atendimento para identificar automaticamente quando uma pessoa vacinada acabou tendo síndrome gripal ou síndrome respiratóriia aguda grave ou outra complicação? Tratamos esse problema de erro de digitação como "normal", mas um investimento em atualização de sistemas de informação para automatizar essas coisas reduziria esses erros e permitiria investigações epidemiológicas de maneira muito mais rápida", afirma.
O Ministério da Saúde lançou um novo sistema de registro de vacinação automatizado e com conexão com cadastros nacionais, como o CADSUS e o banco de dados do CNES. Entretanto, a aplicação desse sistema não ocorreu de forma equânime e a imunização começou com cada local de vacinação usando um sistema de notificação próprio ou o que era antigamente utilizado nas campanhas. A pasta agora corre para integrar todos os sistemas em apenas um.
O GLOBO procurou o Ministério da Saúde na última terça-feira para um posicionamento sobre os dados. A área técnica da pasta, entretanto, não conseguiu terminar a análise dos dados até esta quinta-feira.
Para Rafael Lopes, pesquisador do Observatório Covid-19 BR, a importância de dados confiáveis é essencial tanto do ponto de vista de estudos e pesquisas sobre a vacinação como também para o acompanhamento da vacinação no país.
"Dados confiáveis, abertos e acessíveis são essenciais para que todos tenham claro qual é o ritmo de vacinação no país. Sabemos que a vacinação está restrita aos maiores de 18 anos, por falta de estudos de que atestem segurança das vacinas para esses públicos e então, em teoria, não deveria haver pessoa vacinadas com menos de 18 anos", afirma.
Lopes, entretanto, destaca que, por enquanto, essa inconsistência da idade não deve causar grandes problemas.
"O número de 2.355 possíveis vacinações em pessoas com menos de 18 anos é bem pequeno, dado que já ultrapassamos mais de 6 milhões de aplicações, ele não representa mais que 0.04% desse total. Até agora parecem ser somente isso, inconsistências, nada sistemático ou deliberado, então para análises futuras em pouco afeta essas inconsistências", afirmou.