Um ano após o início da pandemia da Covid-19, o Brasil apresenta seu pior cenário, com recorde de mortes pela doença em 24 horas e sobrecarga dos hospitais em diferentes regiões. Em reportagens publicadas nesta quarta-feira em dois dos jornais mais influentes do planeta, o New York Times e o Guardian, cientistas alertam que o avanço da doença no país se tornou uma ameaça global, com o risco de gerar novas e ainda mais letais variantes do coronavírus.
Ao Guardian, Miguel Nicolelis, neurocientista da Universidade de Duke (EUA) que fez parte até mês passado da coordenação do Comitê Científico do Consórcio Nordeste para a Covid-19, pediu que a comunidade internacional se manifeste e cobre o governo brasileiro por não estar sendo capaz de conter o avanço da doença, que já matou mais de 257 mil pessoas no país.
"De que adianta resolver a pandemia na Europa ou nos EUA, se o Brasil continua a ser um terreno fértil para esse vírus? Se você permitir que o vírus seja transmitido nos níveis em que está se proliferando aqui, você abre a porta para a ocorrência de novas mutações e o aparecimento de variantes ainda mais letais", afirmou ao jornal britânico.
Além da presença da variante britânica, o Brasil enfrenta no momento o aumento da cepa P.1, surgida em Manaus, no Amazonas, associada ao colapso no sistema de saúde da cidade e possivelmente à atual alta de internações e mortes em todo o país.
Um estudo liderado por pesquisadores da Universidade de Oxford e da Universidade de São Paulo analisou a evolução genética da P.1 e concluiu que esta cepa é de 1,4 a 2,2 vezes mais infecciosa que a tradicional, e muito propensa a causar reinfecção. Os dados, no entanto, foram divulgados em um artigo preliminar (ainda sem revisão independente).
Pesquisadores da Fiocruz Amazônia também publicaram outro estudo preliminar que indica que a carga viral da nova cepa em adultos é dez vezes maior do que em outras variantes do Sars-CoV-2. Casos da variante descoberta em Manaus já foram identificados em mais de 25 países.
Você viu?
'Bolsonaro se tornou o inimigo público global número 1 da pandemia'
Enquanto isso, a vacinação ocorre em ritmo lento no Brasil. Pouco mais de 7 milhões de brasileiros receberam a primeira dose de um imunizante contra a Covid-19. Especialistas alertam que, além de implementar medidas eficientes de mitigação, a vacinação em massa é essencial para controlar a disseminação das linhagens do novo coronavírus no país.
Margareth Dalcolmo, pneumologista da Fiocruz e colunista do GLOBO, disse ao NYT que o fracasso do Brasil em montar uma forte campanha de vacinação ofereceu as condições ideais para o cenário de crise atual.
Ester Sabino, pesquisadora de doenças infecciosas da USP que estuda a variante P.1, afirmou ao diário americano que outros países precisam sim prestar atenção à situação do Brasil:
"Você pode vacinar toda a sua população e controlar o problema apenas por um curto período se, em outro lugar do mundo, aparecer uma nova variante. Ela chegará em seu país um dia", afirmou.
Nicolelis destacou ainda que a atual crise do Brasil representa um claro risco internacional, aalém de doméstico. Ele afirmou que o presidente Bolsonaro, ao sabotar o distanciamento social, promover tratamentos não comprovados como a hidroxicloroquina e menosprezar o uso de máscaras, se tornou "o inimigo público global número 1 da pandemia".
"As políticas que ele não está colocando em prática colocam em risco o combate à pandemia em todo o planeta", disse ele ao Guardian. "Minha previsão é que se o mundo ficou chocado com o que aconteceu em Bérgamo, na Itália, e com o que aconteceu em Manaus há algumas semanas, ficará ainda mais chocado com o resto do Brasil se nada for feito".