O uso indiscriminado de medicamentos do chamado “kit Covid”, como a ivermectina, levou pacientes a desenvolverem graves de lesões no fígado, que demandam até necessidade de transplante, segundo médicos do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) e do hospital da Universidade de Campinas (Unicamp).
Ao menos quatro pacientes que fizeram uso desses remédios estão na fila de transplantes após serem atendidos nesses dois hospitais.
O uso da ivermectina, hidroxicloroquina e outros medicamentos que não têm eficácia comprovada contra o coronavírus está sendo apontado como causa de morte por hepatite de ao menos três pessoas, segundo reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo”.
Segundo o professor Luiz Carneiro D'Albuquerque, diretor do Serviço de Transplantes de Órgãos do Aparelho Digestivo do HC da USP, um transplante de fígado foi feito em uma mulher de 61 anos, sem comorbidades, que teve Covid-19 no ano passado e tomou ivermectina. Os médicos identificaram lesões irreversíveis nos dutos hepáticos, associadas a quadros infecciosos.
"A ivermectina seca os dutos biliares e faz com que a bile deixe de ser eliminada e volte para o sangue, causando infecções", disse D'Albuquerque.
Na mesma UTI, um homem de 53 anos, de porte atlético e sem antecedentes de doenças crônicas, aguarda entrar na lista de transplantes. Ele foi diagnosticado com Covid-19 em dezembro passado e, logo depois do Natal, notou os olhos amarelos. Ao fazer os exames, soube que tinha lesões graves no fígado.
Ele relatou uso continuado de ivermectina, azitromicina e, quando teve Covid, também amoxicilina.
"Ele tomou tudo o que tinha direito e, quando teve Covid, não precisou ser hospitalizado e achou que estava bem. O problema veio depois", disse o médico.
D'Albuquerque afirma que o quadro de hepatite isquêmica surpreendeu os médicos, pois a Covid-19 não costuma acometer o fígado. Por isso, os médicos associaram o uso das drogas do Kit-Covid com lesões prévias que deixam o órgão mais vulnerável à ação do vírus. Agora, os especialistas estão acompanhando os casos para avaliar quanto da destruição do orgão foi causada pelos remédios e quanto pelo vírus.
D'Albuquerque alerta ainda que a associação de azitromicina e amoxicilina pode ser lesiva ao fígado, mesmo em pequenas doses. Ele lembra que é necessário sempre consultar um médico antes de tomar qualquer remédio.
Jovem de 22 anos apresentou lesões hepáticas graves
A equipe do HC acompanha, ainda, um jovem de cerca de 22 anos e um paciente de 61 anos. Ambos apresentam lesões graves no fígado e relataram uso do chamado "kit-Covid".
No Hospital das Clínicas de Campinas, a professora Ilka Boin, coordenadora do serviço de transplante de fígado, afirma que as lesões hepáticas que vêm sendo encontradas em alguns pacientes são lesões tóxicas medicamentosas. E que, nos casos estudados, os únicos remédios estudados foram os do Kit-Covid.
"No começo diziam que o Kit tinha três medicamentos. Agora já são mais de cinco e as pessoas tomam há 40, 50 dias. É preciso dizer que a única forma de prevenção é a vacina", disse a professora, que completou: "Esses medicamentos não têm indicação para Covid no mundo todo".
Também na fila de transplante, um paciente tratado no HC de Campinas tem 50 anos e é morador da capital paulista. Ele foi encaminhado para o hospital público porque perdeu o convênio médico. E disse que tomou ivermectina, cloroquina, azitromicina, zinco e vitamina D. Mesmo assim, foi infectado e teve Covid-19 há três meses. No fim de janeiro, já depois da doença, percebeu o olho amarelo e buscou ajuda médica. Os exames e a biópsia revelaram o problema no fígado. Ele tem porte atlético e não apresenta comorbidades.
Além do kit Covid, Ilka alerta que o uso de corticoides antes da manifestação da Covid-19 pode atrapalhar o tratamento quando o paciente mais precisa, na fase inflamatória da doença.
"O uso precoce de corticoide induz a casos mais graves e pode levar a óbito. A comunidade médica está olhando com muito mais cuidado para isso", afirmou.
Um grupo de associações médicas divulgou, na segunda-feira, nota afirmando que medicamentos como a cloroquina e a ivermectina, devem ser “banidos”. A manifestação ocorreu em um boletim do Comitê Extraordinário de Monitoramento Covid-19, organizado pela Associação Médica Brasileira (AMB).