Pessoas que se vacinaram contra Covid-19 podem adoeçer pela doença; saiba motivo
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Pessoas que se vacinaram contra Covid-19 podem adoeçer pela doença; saiba motivo

Pessoas vacinadas podem adoecer de Covid-19? A dúvida ressurgiu após morte de Agnaldo Timóteo, no sábado (2): já vacinado, o cantor foi vítima de complicações da doença. Especialistas afirmam que o risco existe e pode ser explicado por diferentes fatores.

No caso de Timóteo, os médicos acreditam que ele tenha sido infectado pelo coronavírus durante o intervalo entre a primeira e a segunda dose do imunizante. Segundo a família afirmou à GloboNews, ele foi internado três dias depois de receber a segunda injeção.

A infectologista Rosana Richtmann, do Instituto Emílio Ribas, explica que antes de receber a segunda dose do imunizante o cantor estava, em teoria, parcialmente ou muito pouco protegido.

Richtmann afirma que uma pessoa é considerada protegida apenas duas ou três semanas após receber o número de doses recomendadas (duas, no caso da CoronaVac e da vacina de Oxford/AstraZeneca, atualmente utilizadas no Brasil). Esse período é necessário para que a resposta imune seja gerada.

"A vacina aplica um antígeno que vai induzir o sistema imune à produção de anticorpos, que podem ser aleatórios ou que vão neutralizar o vírus em questão. Para ter produção de anticorpos neutralizantes em quantidade suficiente para se proteger demora um tempo. A segunda dose estimula de novo o sistema imune, de forma até mais eficaz, e duas semanas é o tempo médio para que possa atingir uma quantidade melhor de proteção", explica a infectologista, membro do Comitê de Imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia.

Mas mesmo aqueles que já estão adequadamente vacinados ainda podem ser infectados. Isso acontece pois nenhuma vacina é 100% eficaz, seja na prevenção de doença ou de formas graves, explica Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações.

"Vamos ver com muito mais frequência indivíduos que tiveram Covid após tomar só a primeira dose, ou antes de completar duas semanas após a segunda. Mas mesmo entre os que receberam duas doses e passou esse tempo, ainda é possível adoecer. O que se espera é que a grande maioria dos casos sejam leves, mas vão ter indivíduos que não vão responder à vacina e podem desenvolver uma doença tão grave quanto se não tivessem sido vacinados. É uma minoria", afirma Kfouri.

Pasternak: "vacinas não são mágicas"

A microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência Natalia Pasternak explica que a eficácia de uma vacina é a probabilidade de que, após tomá-la, uma pessoa não adoeça, de acordo com o que foi observado nos testes clínicos. No caso da CoronaVac, por exemplo, a eficácia de 50,4% significa que quem foi adequadamente vacinado tem a chance de ficar doente reduzida pela metade.

No caso da vacina de Oxford/AstraZeneca, a eficácia apresentada foi de 70%, segundo uma revisão publicada na revista científica Lancet. Dados mais recentes, de testes nos EUA, apontaram a eficácia de 76%, segundo o laboratório.

Com a vacina usada agora em escala maciça, dezenas de milhões de pessoas a estão recebendo, e mortes entre os recipientes começam a aparecer, sobretudo porque pessoas podem morrer de outras causas. Esses números raramente contradizem as conclusões sobre eficácia tiradas dos testes clínicos, mas em alguns casos eles podem revelar efeitos colaterais relativamente raros da vacina.

Alguns casos que talvez estejam associados à vacina da AstraZeneca estão sendo investigados pela rede de farmacovigilância da União Europeia, mas eles não contradizem os dados de eficácia da vacina. Ainda que efeitos adversos venham a estar associados ao imunizante (algo que não se confirmou), na avaliação da OMS (Organização Mundial da Saúde) o benefício proporcionado pelas vacinas à saúde pública é de uma escala muito maior que a dos possíveis riscos.

Pasternak destaca que as vacinas contra a Covid-19 não são "mágicas" e não são uma estratégia individual. Por isso, para saber se estão funcionando é preciso observar a população em geral, e não individualmente.

"Por isso a importância de usar a vacina como estratégia coletiva. Quanto mais gente for vacinada, menos frequentes ficam as exceções [casos graves após vacinação]", afirma Pasternak.

Os especialistas destacam que no cenário atual do Brasil, com alta circulação do coronavírus, número de casos e mortes pela Covid-19, os relatos de doença após a vacinação completa se tornam mais frequentes.

Para ilustrar o problema, Pasternak faz uma comparação das vacinas com um goleiro de futebol:

"Sabemos que o goleiro é bom pelo histórico, as estatísticas de quantas defesas costuma realizar por jogo. Mas se pego o bom goleiro e coloco em um time com defesa ruim, não para de chegar bola, ele vai tomar gol. O mesmo acontece com a vacina: se não tem ninguém usando máscara, fazendo isolamento social, vai ter furos".

Ela acrescenta que, ao vacinar grande parte da população, é como se a defesa do time se tornasse melhor, porque o vírus passa a circular menos entre as pessoas.

Vacinação na prática

Segundo Kfouri, os imunizantes contra a Covid-19 estão funcionando, na prática, conforme esperado.

"Também é esperado que as vacinas com maior eficácia tenham uma falha vacinal [casos de pessoas vacinadas que adoecem] menor do que as com eficácia mais baixa, mas para casos graves a tendência é que seja muito pequena, de forma geral", afirma o diretor da SBIm.

Pasternak explica que no Brasil a vacinação ainda está muito lenta para que haja algum resultado da chamada fase 4, quando a vacina já está sendo aplicada na população, mas em países com porcentagem maior da população vacinada os números são positivos:

"Em países como Israel e Estados Unidos as vacinas estão diminuindo hospitalizações, mortes e transmissão também".

Richtmann também destaca que ainda não existem dados de efetividade — o quanto a vacina protege quando aplicada na população, em grande escala — dos imunizantes utilizados no Brasil. Mas há, segundo ela, ocorrência de casos de Covid-19, inclusive graves, entre profissionais da saúde com mais de três semanas após receber a segunda dose da CoronaVac.

"Nos estudos de fase 3, o Instituto Butantan [que produz a CoronaVac no Brasil] falava de uma eficácia de quase 100% de proteção para casos graves, e pelo que observamos na vida real não tem sido dessa maneira. Isso não significa que deva deixar de vacinar, mas que mesmo vacinado não se deve baixar a guarda. Principalmente profissionais da saúde, que são muito expostos ao vírus", diz a infectologista.

Richtmann lembra que na época dos ensaios clínicos não havia a alta circulação viral observada atualmente no país, além da presença das novas variantes do coronavírus.

"Por isso não se deve deixar de ter cuidados, que são basicamente os de sempre, mas devem ser ainda maiores agora", afirma. "Claro que a vacina vai ter impacto na redução das mortes, da hospitalização e da circulação do vírus, mas não podemos julgar que quem está vacinado está de fato protegido. Não podemos baixar a guarda".

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