A determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal ( STF ) Luís Roberto Barroso para que o Senado instale uma Comissão Parlamentar de Inquérito ( CPI ) sobre a atuação do governo federal no enfrentamento da pandemia de coronavírus foi vista inicialmente como um grande risco de desgaste político para o presidente Jair Bolsonaro .
O objetivo inicial dos senadores é investigar a responsabilidade da União na falta de vacinas e no alto número de mortes — mais de 354 mil pessoas morreram no Brasil vítimas da Covid-19.
Dois fatores, porém, podem reduzir o potencial de impacto da CPI para Bolsonaro. O primeiro deles é a movimentação de alguns senadores para aumentar o escopo da comissão, incluindo também como alvos governos de Estados e municípios — ampliação que atende a pedido do próprio presidente e, na visão de críticos, pode inviabilizar a investigação por excesso de temas a serem apurados.
O segundo fator é a própria pandemia que tende a criar limitações ao funcionamento da CPI, devido à necessidade de distanciamento social. Isso deve impedir depoimentos presenciais e também a colheita de provas sigilosas, como documentos do governo, que exigiriam a ida de senadores a órgão públicos.
Há ainda a possibilidade de que ela não seja instalada de imediato, sob a justificativa de que só seria viável com funcionamento presencial. Na quarta-feira (14), o plenário do STF decidirá se referenda ou não a decisão do Barroso e a Corte deve discutir se o início da CPI pode ser adiado até que os trabalhos do Senado voltem à normalidade.
No momento, a maioria das atividades têm ocorrido online e os cuidados se intensificaram após a morte de três senadores por Covid-19 — Major Olímpio (PSL-SP), Arolde de Oliveira (PSD-RJ) e José Maranhão (MDB-PB).
Bolsonaro pressiona senadores a ampliar CPI
A Constituição exige três requisitos para a instalação de uma CPI: apoio de no mínimo um terço dos senadores (27 de 81), apuração de objeto específico e funcionamento por prazo determinado.
Desde fevereiro esses três critérios estavam cumpridos, mas o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), se recusava a iniciar a comissão da Covid-19 sob o argumento de que o foco do Parlamento deveria estar no avanço da vacinação contra a doença.
No entanto, como os requisitos constitucionais estavam cumpridos, Barroso determinou a instalação da CPI, após pedido dos senadores Jorge Kajuru (Cidadania-GO) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE). A decisão do ministro seguiu precedentes do STF, que já determinou a instalação de comissões parlamentares de inquérito nos governos petistas, caso da CPI dos Bingos, em 2005, e da CPI da Petrobras, em 2014.
A decisão causou grande irritação em Bolsonaro, que atacou frontalmente Barroso e o acusou de interferir no funcionamento do Legislativo. O presidente também adotou a estratégia de pressionar senadores para que ampliem o escopo da CPI, sob o argumento de que a União transferiu vultosos recursos para Estados e municípios enfrentarem a pandemia.
O próprio Kajuru gravou e divulgou no domingo (11) conversa com Bolsonaro, em que o presidente defende uma CPI ampla e ainda pede que o Senado vote o impeachment de ministros do STF.
"Kajuru, olha só, tem que fazer para ter uma CPI que realmente seja útil para o Brasil. Mudar a amplitude dela, bota governadores e prefeitos", defendeu o presidente.
"Se mudar a amplitude, tudo bem, mas se não mudar, a CPI vai simplesmente ouvir o (ex-ministro da Saúde general Eduardo) Pazuello, ouvir gente nossa para fazer um relatório sacana", reclamou ainda.
Na conversa, o presidente ainda chegou a dizer que o senador de oposição Randolfe Rodrigues (Rede/AP) "vai começar a encher o saco" na CPI, acrescentando: "Aí vou ter que sair na porrada com um bosta desse".
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Os planos de Bolsonaro parecem andar bem no Senado. O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) disse nesta segunda-feira (12) que já coletou 34 assinaturas de senadores favoráveis à ampliação do escopo da CPI.
"Reunimos o número de assinaturas suficientes para protocolar uma CPI abrangendo União, Estados e Municípios. Espero que a Verdade venha à tona, quem tá devendo vai ter que se justificar e quem errou vai ter que ser punido", disse em sua conta no Twitter.
Já o senador Randolfe Rodrigues rebateu as ameaças de agressão de Bolsonaro dizendo que "a violência costuma ser uma saída para os covardes que têm muito a esconder", e defendeu uma CPI focada no governo federal.
"O presidente tenta interferir de forma criminosa na instalação da CPI da Covid no Congresso. Não vamos perder de vista: as assembleias estaduais podem investigar as ações dos governadores. O Congresso se dedica aos desvios federais! No Amapá, já há pedido de CPI pelos deputados", disse, também por meio de sua rede social.
Ampliação da CPI pode inviabilizar investigação, diz analista
À BBC News Brasil, o analista político Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), diz que uma CPI que investigue o governo federal pode ser efetiva, ainda que tenha trabalhos limitados pela falta de atividades presenciais.
Na sua visão, porém, a ampliação do escopo da comissão pode acabar inviabilizando a investigação. Ele lembra que as CPIs têm duração inicial de 90 dias, podendo ser prorrogadas.
"Essa manobra (de incluir governadores e prefeitos na CPI) tem o objetivo nítido de dividir responsabilidades e no final não apurar nada", acredita.
"Vão ter requerimentos para apurar eventuais desvios em Estados e municípios para que tenha um volume tal de trabalho nessa CPI que não tenha condições de nem até o final do mandato Bolsonaro (2022) conseguir concluir isso, muito menos em três meses que é o prazo (inicial) de uma CPI", prevê o analista do Diap.
O primeiro passo para a instalação da CPI da Covid está previsto para terça-feira, quando o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, lerá o requerimento em plenário.
Depois, haverá a definição dos onze senadores membros da comissão, o que também será determinante para os rumos da investigação. Caso Bolsonaro consiga que a maioria dos integrantes seja simpática a seu governo, a comissão poderá ter suas atividades limitadas, aponta Queiroz.
"Há muitos mecanismos de manobra (para reduzir o impacto da CPI). Eles podem não aprovar requerimentos (para depoimentos e diligências investigatórias) ou aprová-los em profusão e aí não tem condições de ouvir todo mundo no prazo", exemplifica Queiroz.
"A oposição vai fazer um barulho muito grande, mas do ponto de vista de efetividade vai ser baixa na medida em que pode envolver governadores de outros partidos e aí ter negociação em torno disso (para reduzir o potencial da CPI)", acrescenta.