Crianças com síndrome inflamatória podem ter tido Covid, mesmo sem ter sintomas
Marcos Santos / USP Imagens
Crianças com síndrome inflamatória podem ter tido Covid, mesmo sem ter sintomas

Muitas crianças e adolescentes que desenvolveram a misteriosa síndrome inflamatória, que pode se manifestar várias semanas após o paciente contrair o coronavírus, nunca tiveram os sintomas clássicos da Covid-19 no momento da infecção, de acordo com o maior estudo de caso até hoje nos Estados Unidos.

O levantamento, liderado por pesquisadores dos Centros para o Controle e a Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês), descobriu que, em mais de mil casos em que havia informações disponíveis sobre se eles haviam adoecido inicialmente pela Covid-19, 75% dos pacientes não experimentaram esses sintomas. No entanto, duas a cinco semanas depois, eles ficaram doentes e precisaram ser hospitalizados com a doença, chamada de Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P) — ou MIS-C, na sigla em inglês — que pode afetar uma variedade de órgãos, especialmente o coração.

O estudo, publicado em 6 de abril na JAMA Pediatrics, afirmou que "acredita-se que a maioria das doenças MIS-C seja o resultado de casos de Covid-19 leves ou assintomáticos" seguidos por uma resposta hiperinflamatória que parece ocorrer quando pacientes produziram seu máximo nível de anticorpos contra o vírus. Os especialistas ainda não sabem por que alguns jovens, e uma quantidade menor de adultos, respondem dessa forma.

"Isso significa que os pediatras de atenção primária devem ter um alto índice de suspeita disso porque a Covid é muito prevalente na sociedade e as crianças costumam ter doença assintomática em sua infecção inicial de Covid", disse Jennifer Blumenthal, intensivista pediátrica e especialista em doenças infecciosas pediátricas do Children's Hospital Boston, que não participou do estudo.

Os pesquisadores avaliaram 1.733 dos 2.090 casos da síndrome em pessoas com 20 anos ou menos que foram relatados ao CDC em janeiro. Os resultados mostram que, embora a síndrome seja rara, pode ser grave. Os dados do CDC incluíram apenas pacientes hospitalizados. Mais de 90% desses jovens experimentaram sintomas envolvendo pelo menos quatro sistemas de órgãos e 58% necessitaram de tratamento em unidades de terapia intensiva (UTIs).

Muitos tiveram problemas cardíacos graves: mais da metade desenvolveu pressão arterial baixa, 37% desenvolveram choque cardiogênico e 31% experimentaram disfunção cardíaca relacionada à incapacidade do coração de bombear adequadamente.

O estudo afirmou que uma porcentagem significativamente maior de pacientes que não apresentaram sintomas de Covid-19 apresentaram esses problemas cardíacos, em comparação àqueles que apresentaram sintomas iniciais de coronavírus. Um percentual maior de pacientes inicialmente assintomáticos também foi encaminhado para UTIs.

"Mesmo a grande maioria das crianças com casos graves de MIS-C que estava na UTI não tinha uma doença anterior que pudesse reconhecer", afirmou Roberta DeBiasi, chefe do departamento de doenças infecciosas do Children's National Hospital em Washington DC, que não participou da investigação.

O estudo forneceu o quadro demográfico e geográfico mais detalhado da síndrome até o momento. Cerca de 34% dos pacientes eram negros e 37% hispânicos, refletindo como o coronavírus afetou desproporcionalmente membros dessas comunidades.

Segundo os autores, conforme a pandemia progredia, a proporção de pacientes brancos aumentou, respondendo por 20% de todos os casos. Pessoas de ascendência asiática representavam pouco mais de 1% dos pacientes.

No geral, quase 58% dos pacientes eram do sexo masculino, mas a proporção não era a mesma em todas as idades. No grupo mais jovem — recém-nascidos a 4 anos de idade — o número de meninos e meninas era praticamente o mesmo, e a proporção de homens para mulheres aumentou nas faixas etárias mais velhas até que a proporção atingiu mais de dois na faixa etária de 18 a 20 anos.

A grande maioria dos pacientes (quase 86%) tinha menos de 15 anos de idade. O estudo revelou que aqueles com menos de 5 anos tinham o menor risco de desenvolver complicações cardíacas graves e eram menos propensos a precisar de cuidados intensivos. Pacientes com 10 anos ou mais eram muito mais propensos a desenvolver problemas como choque cardiogênico, pressão arterial baixa e miocardite (inflamação do músculo cardíaco).

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"Acho que é semelhante ao que vimos com a Covid, onde crianças mais velhas pareciam ter doenças mais sérias. E isso porque o que realmente deixa as pessoas doentes com Covid é seu aspecto inflamatório, então talvez essas crianças mais velhas, por várias razões, tenham produzido mais inflamação durante a infecção inicial por Covid ou pela MIS-C", analisou DeBiasi. 

Ainda assim, um número significativo de pacientes mais jovens desenvolveu problemas cardíacos. No grupo de recém-nascidos a 4 anos de idade, 36% tiveram pressão arterial baixa, 25% tiveram choque cardiogênico e 44% receberam tratamento na UTI.

Pacientes de todas as idades no estudo experimentaram quase a mesma incidência de alguns dos problemas cardíacos menos comuns relacionados à síndrome, como aneurismas coronários e acúmulo de fluido. Crianças de 14 anos ou menos eram mais propensas a ter erupções na pele e olhos vermelhos, enquanto aquelas com mais de 14 anos tinham maior probabilidade de desenvolver dor no peito, falta de ar e tosse. Cerca de dois terços de todos os pacientes foram afetados por dor abdominal e vômitos.

Foram registradas 24 mortes, distribuídas por todas as faixas etárias. Não havia informações no estudo sobre se os pacientes tinham condições médicas subjacentes, mas os médicos e pesquisadores relataram que os jovens com MIS-C eram geralmente saudáveis ​​anteriormente e tinham muito mais probabilidade de ser saudáveis ​​do que o número relativamente pequeno de jovens que sofriam de doenças graves de infecções iniciais de Covid.

Dos 1.075 pacientes para os quais havia informações disponíveis sobre a Covid inicialmente, apenas 265 apresentavam sintomas naquela época. Sua idade média era 11 anos, enquanto a idade média daqueles com infecções assintomáticas da Covid era de 8 anos.

Para Blumenthal, que participou do editorial sobre o estudo, isso pode ser porque "as crianças mais novas não podem expressar suas preocupações com a mesma eficiência":

"Realmente não sabemos se existem realmente menos sintomas na população muito jovem".

Também não estão claras as razões por trás da descoberta do estudo de que na primeira onda de MIS-C, de 1º de março a 1º de julho de 2020, os jovens eram mais propensos a algumas das complicações cardíacas mais graves. DeBiasi disse que isso não condiz com a experiência em seu hospital, onde "as crianças ficaram mais doentes na segunda onda".

O estudo documentou duas ondas de casos de MIS-C que seguiram aos aumentos nos casos gerais de coronavírus por um mês ou mais. "O terceiro pico mais recente na pandemia da Covid-19 parece estar levando a outro pico de MIS-C que pode envolver comunidades urbanas e rurais", escreveram os autores.

A pesquisa representou apenas os critérios mais rigorosos no MIS-C, excluindo cerca de 350 casos relatados que atenderam à definição de síndrome do CDC, mas tiveram um teste de anticorpos negativo ou apresentaram sintomas respiratórios principalmente. DeBiasi disse que também há muitos casos prováveis ​​de MIS-C que não são relatados ao CDC porque não atendem a todos os critérios oficiais:

"Essas crianças provavelmente ​​com MIS-C, na vida real, são um bando de crianças. Há todo um grupo de crianças que pode realmente ter MIS-C leve".

Para ela, se uma comunidade experimentou um aumento recente de casos de coronavírus, a MIS-C não deve ser descartada:

"Só porque a criança diz: "Eu nunca tive Covid ou meus pais nunca tiveram", não significa que a ela não tenha MIS- C. Se a sua cidade tem Covid, prepare-se".

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