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Senador Omar Aziz (PSD-AM) é o presidente da CPI da Covid
Jefferson Rudy/Agência Senado
Senador Omar Aziz (PSD-AM) é o presidente da CPI da Covid

Uma das linhas de investigação dos senadores na CPI da Covid , que analisa a atuação do governo no combate à pandemia, é se Bolsonaro teria intencionalmente adotado a estratégia de tentar atingir 'imunidade de rebanho' sem vacinas.

A estratégia foi levantada como possibilidade no início da pandemia e consiste em tentar atingir imunidade de grupo — quando a maioria da população têm anticorpos contra o vírus — sem vacinas, através da contaminação do maior número possível de pessoas. Em pouco tempo, no entanto, estudos mostraram que a consequência dessa estratégia eram milhares de mortes.

Embora o ministério da Saúde nunca tenha oficialmente adotado a estratégia de imunidade de rebanho sem vacinas, o presidente Jair Bolsonaro disse diversas vezes que a contaminação da maioria da população era inevitável e que "ajudaria a não proliferar" a doença.

Mais de um ano depois da chegada da pandemia no Brasil, o país tem o segundo maior número de mortes do mundo — mais de 400 mil, atrás apenas dos EUA.

A linha de investigação sobre se o presidente intencionalmente escolheu essa estratégia e levou a um alto número de mortos se tornou central na CPI na terça, quando o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta afirmou em seu depoimento que "teve a impressão" de que foi exatamente isso que aconteceu.

"A impressão que eu tenho é que era alguma coisa nesse sentido [de buscar a imunidade de rebanho], o principal convencimento, mas eu não posso afirmar", afirmou o ex-ministro, que também afirmou que Bolsonaro tinha outro aconselhamento sobre a pandemia que não vinha do ministério da saúde.

Mandetta, primeiro ministro da Saúde de Bolsonaro, depôs à CPI da Covid
Reprodução: iG Minas Gerais
Mandetta, primeiro ministro da Saúde de Bolsonaro, depôs à CPI da Covid


Mandetta disse que Bolsonaro foi alertado das consequências de não ouvir a ciência. O ex-ministro afirmou que o presidente inclusive foi informado da projeção de alto número de mortes caso as medidas com comprovação científica (como adotar o isolamento social e só promover tratamentos com eficácia comprovada) não fossem seguidas.

O senador Humberto Costa (PT-PE), membro da comissão, afirmou durante o depoimento do ex-ministro Nelson Teich que a questão da estratégia da imunidade de rebanho precisa ser discutida "muito seriamente" pela CPI e que ele pretende abordar essa temática em todas as reuniões da comissão.

"É isso que a CPI precisa comprovar ou não comprovar", disse ele.

"Porque, se isso é verdadeiro, se o Presidente da República fez tudo o que fez dentro de uma concepção de que quanto mais gente se contaminasse no espaço de tempo mais curto possível era o melhor caminho, porque não iria haver custos, se manteria aí o equilíbrio fiscal e, ao mesmo tempo, isso seria efetivo... é muito grave", afirmou.

Costa disse que, se Bolsonaro adotou conscientemente essa estratégia, ela foi "a grande responsável pelos 410 mil mortos que temos até agora" e que "ela representa um crime doloso contra a vida humana no nosso país".

Questionado sobre o assunto, o ex-ministro Nelson Teich disse que, ao menos enquanto era ministro, isso nunca foi discutido com ele e "nunca foi colocado como uma estratégia".

Teich também afirmou que a ideia de criar imunidade de rebanho sem vacinas é um erro.

Nelson Teich e Omar Aziz protagonizaram momentos tensos durante comissão
Edilson Rodrigues/Agência Senado
Nelson Teich e Omar Aziz protagonizaram momentos tensos durante comissão


"Essa tese de imunidade de rebanho, em que você adquire a imunidade através do contato, e não da vacina, isso é um erro. A imunidade você vai ter através da vacina, não através de pessoas sendo infectadas", afirmou.

Apesar de, segundo Teich, Bolsonaro não ter falado sobre o assunto com ele, o presidente fez discursos onde defendeu o isolamento social apenas de idosos e elogiou países e cidades que haviam adotado a estratégia da imunidade de rebanho sem vacinas na época.

O questionamento sobre a postura de Bolsonaro quanto à estratégia de imunidade de rebanho sem vacinas deve voltar a ser feito durante o depoimento de outros convocados pela CPI.

Nesta quinta (06/6), os senadores devem ouvir o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres.

O ex-ministro Eduardo Pazuello , que ficou mais tempo no cargo durante a pandemia, seria ouvido na quarta (05/5), mas informou que não poderia comparecer por risco de covid. Seu depoimento foi remarcado para 19 de maio.

O que é a estratégia da 'imunidade de rebanho' sem vacinas?

O conceito de imunidade de rebanho, na verdade, surgiu com a vacinação.

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Os vírus causam epidemias quando são transmitidos de pessoa para pessoa. Ou seja, para conseguir se propagar, o vírus precisa achar hospedeiros suscetíveis à doença. Mas quando uma grande parte da população está vacinada contra um vírus, o número total de pessoas suscetíveis cai tanto que ele não consegue mais encontrar hospedeiros e a circulação da doença é interrompida. É isso que é chamado normalmente de imunidade de rebanho.

Quando a pandemia de coronavírus começou, no início de 2020, e não havia vacinas disponíveis, foi levantada a hipótese de que seria possível atingir essa imunidade de grupo sem vacinas, a partir do momento em que um grande número de pessoas contraísse o vírus. A teoria tinha como pressuposto que quem se contaminou uma vez ficava imune a uma segunda contaminação pois já teria anticorpos contra o vírus.

Um grupo de cientistas — minoritários no meio científico — chegou a defender a estratégia. E alguns países, como Reino Unido, chegaram a adotá-la, mas ela foi rapidamente abandonada porque diversos estudos mostraram que o custo seria a perda de milhares de vidas.

O problema é que não se sabe quanto tempo após a recuperação da covid a pessoa continua imune, existem vários casos documentados de segundas infecções, não há garantia de imunidade contra novas variantes e um número enorme de infecções — e de mortes — aconteceria antes dessa imunidade de grupo ser atingida sem vacina.

Um modelo matemático apresentado pelo Imperial College de Londres, por exemplo, deu um panorama extremamente sombrio de como a doença ia se propagar pelo Reino Unido, como ia impactar o sistema público de saúde e quantas pessoas iam morrer se a estratégia de imunidade de rebanho sem vacina continuasse sendo aplicada. O modelo apontou que as mortes no Reino Unido poderiam chegar a 510 mil.

O que Bolsonaro falou sobre imunidade de grupo?

Bolsonaro segue na berlinda em CPI
Reprodução: iG Minas Gerais
Bolsonaro segue na berlinda em CPI


Bolsonaro foi crítico do isolamento social desde o início da pandemia e disse diversas vezes que a contaminação da maior parte da população era inevitável.

Em entrevista em 15 de março à CNN Brasil , Bolsonaro afirmou que "muitos pegarão isso independente dos cuidados que tomem. Isso vai acontecer mais cedo ou mais tarde".

Em 24 março de 2020, em pronunciamento em rede nacional, o presidente criticou o confinamento por seus efeitos econômicos e disse que "a orientação vai ser o [isolamento] vertical daqui pra frente".

Em 26 de março, disse que "o brasileiro não pega nada".

"Você vê o cara pulando em esgoto ali, sai, mergulha e não acontece nada com ele", afirmou o presidente, sem lembrar que um enorme número de doenças são endêmicas no Brasil por causa da falta de saneamento.

Logo em seguida o presidente disse que a contaminação de um grande número de pessoas ajudaria a não proliferar a doença.

"Eu acho até que muita gente já foi infectada no Brasil, há poucas semanas ou meses, e ele já tem anticorpos que ajuda a não proliferar isso daí"

Em abril daquele ano, Bolsonaro afirmou que o coronavírus iria atingir 70% da população.

"O vírus vai atingir 70% da população, infelizmente é uma realidade", disse em uma entrevista em frente ao Palácio do Alvorada. Questionado sobre o número de mortes por jornalistas, o presidente respondeu que "não fazia milagres".

"Lamento, quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre, ninguém nunca negou que não vai haver mortes", disse Bolsonaro.

Em maio de 2020, Bolsonaro citou a Suécia — que na época havia adotado uma política de não fazer isolamento social — como exemplo.

"Vamos falar da Suécia? Pronto! A Suécia não fechou!", disse Bolsonaro após uma reunião com empresários.

Alguns meses depois, em dezembro, o país perdeu o controle da pandemia e passou a sofrer com aumento de casos, UTIs lotadas e debandada de profissionais de saúde, entre outros problemas.

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