Vacina de Oxford e da farmacêutica AstraZeneca
Tânia Rêgo/Agência Brasil
Vacina de Oxford e da farmacêutica AstraZeneca


A resposta para a pergunta se os idosos espanhóis precisarão de uma terceira dose da vacina contra a Covid-19 no próximo ano está agora sendo escrita nos arredores de Jacarta (capital da Indonésia, com mais de 30 milhões de habitantes), no Delta do Nilo (onde quase 40 milhões de pessoas vivem), e também nas festas lotadas de jovens do primeiro mundo. São esses locais, onde o vírus pode circular amplamente entre grupos da população ainda não imunizados, que multiplicam o risco do surgimento de novas mutações que rearmam o patógeno, alertam os especialistas. Essas mudanças do vírus obrigariam a população a ser revacinada para evitar uma nova onda de internações e mortes.

África González, professor de imunologia do Centro de Investigação Biomédica (CINBIO) da Universidade de Vigo, afirma: "a chamada terceira dose só será necessária em dois casos. A primeira é a menos provável e ocorreria se as pessoas vacinadas começassem a sofrer reinfecções porque suas defesas não são mais eficazes contra o vírus, pois perderam a memória imunológica. A segunda seria o surgimento de uma nova cepa bastante alterada em comparação com as variantes atuais que fariam com que as vacinas deixassem de ser eficazes. Mas, a rigor, então não estaríamos mais falando de uma terceira dose, mas de uma nova vacina, como acontece todo ano com a gripe".

Ugur Sahin, um dos fundadores da BioNTech — farmacêutica que idealizou a vacina comercializada pela Pfizer — iniciou o debate em 27 de abril ao prever que a terceira dose seria necessária "entre nove meses e um ano após a primeira vacinação completa''. O motivo seria a diminuição dos anticorpos gerados pelo organismo. Há 15 dias, o CEO da Moderna, Stéphane Bancel, insistiu nessa ideia em uma entrevista ao jornal francês Le Journal de Dimanche.

Ambos comprovam suas afirmações em estudos realizados por ambas as empresas que apontam para a perda de memória imunológica em pessoas vacinadas. Alguns estudos, porém, não foram publicados, levando os especialistas a acolher os anúncios com cautela. Rafael Cantón, chefe do serviço de microbiologia do Hospital Ramón y Cajal (Madrid), afirma: "as informações que temos não mostram a perda de eficácia da resposta imunitária do organismo. Se as empresas farmacêuticas têm esses estudos, devem torná-los públicos".

Em entrevista coletiva realizada no dia 28 de maio, o porta-voz da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) garantiu que com os "dados disponíveis" a terceira dose não será necessária, já que a resposta imune alcançada com as vacinas atuais é suficiente contra todas as variantes conhecidas do coronavírus.

Especialistas lembram que o sistema imunológico, um dos mais complexos do ser humano, se defende contra patógenos em vários níveis. Magda Campins, chefe do serviço de medicina preventiva do Hospital Vall d'Hebron (Barcelona), explica que "os anticorpos são um deles, mas o facto de diminuírem não significa que o corpo fique sem defesas. Há imunidade celular, com leucócitos capazes de voltar a produzir anticorpos se o vírus voltar a infectar a pessoa mesmo vários anos depois".

A especialista também considera que, com as evidências disponíveis, atualmente não há motivos para pensar que a terceira dose será necessária. "Se as farmacêuticas têm estudos que indiquem o contrário, devem apresentar aos órgãos reguladores, que vão estudá-los e, quando for o caso, vão aprovar essas novas doses", acrescenta.

Estudiosos lembram que é comum, por exemplo, que o corpo fique sem anticorpos contra a hepatite B anos após a vacina, mas que a memória celular mantenha a capacidade de produzi-los se necessário. "Acho que se não surgirem novas cepas, a terceira dose não será necessária", detalha África González. "A resposta imunológica será suficiente. Há estudos que revelam que as pessoas infectadas com a primeira SARS, em 2002, ainda são capazes de produzir anticorpos eficazes".

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Essa memória é eficaz mesmo entre pessoas mais velhas, que tendem a ter uma resposta imunológica mais fraca. Países como a França começaram a aplicar a terceira dose em alguns perfis de pacientes, como pacientes com câncer, transplantados e outros imunossuprimidos. Embora esta medida tenha sido tomada por precaução, Magda Campins a considera "um tanto prematura". A ideia subjacente é a mesma: embora alguns estudos pareçam indicar que eles perdem anticorpos rapidamente, "isso não significa que eles não tenham a capacidade de produzi-los novamente".

Novas variantes

Se a opinião que prevalece é que a resposta imune oferecida pelas vacinas atuais será suficiente para conter todas as variantes conhecidas, o debate é mais aberto sobre as novas mutações que podem surgir e que revacinariam a população. Na opinião de Luis Enjuanes, diretor do laboratório de coronavírus do Centro Nacional de Biotecnologia (CNB-CSIC), é uma equação na qual intervêm as probabilidades e, portanto, o acaso, mas se o vírus continuar por muito tempo a se replicar trilhões de vezes ao dia em centenas de milhões de pessoas infectadas, é previsível que isso eventualmente aconteça.

"Pelo o que temos visto agora, o vírus tem um histórico de muitas mutações, quase como o vírus da gripe", explica Enjuanes. "Seu genoma tem 30.000 nucleotídeos e em cada ciclo de reprodução 1 em 10.000 alterações. Cada vez que se replica, o vírus sofre três mudanças e isso pode alterar muito sua capacidade de infecção e de eficácia da vacina. Acho que é bem possível que a cada ano ou no máximo a cada dois anos as vacinas tenham que ser adaptadas às variantes ou cepas que estão circulando naquela época".

Outros especialistas, no entanto, acreditam que "ainda há tempo" para prevenir o surgimento dessas cepas se o mundo for capaz de produzir e distribuir rapidamente vacinas suficientes para imunizar a população mundial. Com muito menos pessoas suscetíveis a contrair o vírus e a maioria delas vacinadas, aqueles que forem infectados serão muito brandos e com baixa carga viral. O vírus, portanto, terá muito menos oportunidade de continuar se mutando e "a pandemia será controlada", diz África González.

A Comissão Europeia anunciou no dia 20 de maio a aquisição de 900 milhões de novas doses da vacina da Pfizer-BioNTech para entrega entre o final deste ano e 2023, com opção de dobrar essa quantidade. É o caminho a ser preparado para qualquer cenário futuro, pois a tecnologia disponível também permitiria que essas vacinas fossem adaptadas a novas variantes ou cepas.

Contudo, alguns cientistas temem que essa decisão seja um novo primeiro passo em direção a uma estratégia que já provou seus limites. A corrida dos países ricos para monopolizar as doses nesta primeira fase da pandemia deixou grandes áreas do globo atrasadas na campanha de vacinação. Eles lembram ainda que não é por acaso que novas variantes surgiram em áreas com menor cobertura, como a Índia , África do Sul e Brasil. A britânica (alfa de acordo com a nova nomenclatura), por outro lado, é anterior à fabricação em massa das primeiras vacinas.

O pior cenário seria um ciclo infinito em que a vacinação deficiente em algumas partes do globo permitisse o surgimento de novas cepas contra as quais os países ricos se apressam para se vacinar primeiro. África González conclui: "para evitar isso, a melhor estratégia é a vacinação global e é desejável que seja planejada pela Organização Mundial da Saúde".

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