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Covid: Por que melhora nos números da pandemia ainda não é luz no fim do túnel
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Covid: Por que melhora nos números da pandemia ainda não é luz no fim do túnel

As semanas entre o final de fevereiro e o início de março de 2021 marcaram um ponto de inflexão da pandemia de covid-19 no Brasil: a partir dali, a média móvel de novos casos e mortes pela doença subiu de forma vertiginosa, naquele que é considerado o pior período da crise sanitária até o momento.

Passado o pico, o país parece viver agora um momento de curvas em descenso: os últimos cinco dias do mês de junho foram caracterizados por uma diminuição constante nas notificações de infectados e óbitos causados pelo coronavírus.

No dia 30 de junho, a média móvel de novos casos ficou em 55.323. Segundo o registro do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) , a última vez que um número abaixo desse patamar havia sido registrado foi em 28 de fevereiro.

O mesmo pode ser observado nas mortes, cuja média móvel mais recente é de 1.565, índice que só subia desde o dia 8 de março.

E esses não são os únicos indícios de uma aparente melhora da pandemia no país: o último Boletim InfoGripe, da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) , informa que todos os estados (com exceção de Mato Grosso) e todas as capitais apresentam uma tendência de queda ou estabilização nos números de infecções respiratórias tanto no curto quanto no longo prazo (entre 3 e 6 semanas, respectivamente).

Para completar, um levantamento feito pela Folha de S.Paulo revela que a taxa de ocupação de UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) vem caindo consideravelmente: atualmente, apenas três capitais — Curitiba (PR), Campo Grande (MS) e Palmas (TO) — estão com mais de 90% desses leitos em uso.

Apesar de todas essas evidências representarem ótimas notícias, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil analisam o cenário com extrema cautela e entendem que o país poderia usar essa "oportunidade" para lançar mão de medidas e políticas públicas realmente capazes de controlar a pandemia, como um amplo programa de testagem e a aceleração da campanha de vacinação.

"Embora alguns indicadores importantes estejam regredindo, ainda temos uma taxa de transmissão viral muito alta. Vejo, portanto, com certa reserva essa melhora e acho que ainda não temos motivos para comemorar", analisa o epidemiologista Paulo Petry, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

"Essa regressão das estatísticas não significa que podemos relaxar, muito pelo contrário. Deveríamos fazer exatamente o oposto: ampliar o uso de imunizantes, reforçar o distanciamento físico e o uso de máscaras e criar um programa para testar e rastrear contatos", acrescenta o epidemiologista computacional Jones Albuquerque, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).

Transmissão viral (extremamente) alta

O mesmo Boletim InfoGripe da FioCruz que aponta tendências de queda e estabilização no Brasil traz uma informação muito relevante para entender o atual momento: a transmissão comunitária dos vírus respiratórios segue muito alta em boa parte do país.

Vale notar que o relatório não fala especificamente sobre a covid-19, mas analisa os casos de hospitalização por Síndrome Aguda Respiratória Grave (SRAG) — durante a pandemia, estima-se que a maior parte deles seja causado pelo coronavírus mesmo.

Para entender como o vírus está circulando por uma determinada região do país, os especialistas criaram um índice que considera o total de novos casos de SRAG que foram detectados na última semana a cada 100 mil habitantes.

Os autores do estudo levam em conta as 118 macrorregiões, que são divididas por todo o território nacional de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde.

Os últimos dados apontam que 75 dessas macrorregiões apresentam um nível de transmissão comunitária de vírus respiratórios extremamente alto (com 10 ou mais novos casos a cada 100 mil habitantes).

Em 26 áreas, o nível é considerado "muito alto", ao passo que em outras 15, essa transmissão é classificada como "alta".

Apenas duas macrorregiões (localizadas no Espírito Santo e no Piauí) apresentam uma situação de momento que se assemelha aos níveis pré-epidemia e o relatório admite que há um problema de subnotificação nesses locais.

Na prática, uma transmissão que vai de "alta" a "extremamente alta" em praticamente todo o país significa que muita gente está se infectando e passando o vírus adiante — e nós sabemos que uma parcela significativa desses casos desenvolve complicações, que exigem atenção médica, hospitalização, leitos de UTI, intubação...

Ou seja: o risco de essa situação desencadear uma bola de neve e dar início a uma terceira onda num futuro próximo não é desprezível.

"A transmissão desse vírus é exponencial: uma pessoa infecta outras, que passam para mais gente e assim por diante. É por isso que ele se espalhou tão rápido pelo mundo inteiro", complementa Petry.

Numa série de postagens no Twitter, o pesquisador em saúde pública Marcelo Gomes, um dos responsáveis pelo Boletim Infogripe, classificou o atual status da pandemia no Brasil como "menos pior".

"A situação segue feia, mas parece que está tudo tranquilo. Afinal, o pico de março já passou. [...] Se o vulcão não está mais em erupção, não tem problema estar tudo em chamas pelo jeito… Azar de quem se importa, azar de quem se interna e azar de quem morre", escreveu.

Nessa mesma linha, embora os números mais recentes de casos e óbitos estejam caindo, eles ainda são muito altos e inaceitáveis: afinal, falamos aqui de uma média móvel semanal de 1,5 mil mortes todos os dias por uma doença para a qual existem formas efetivas de controle e prevenção.

Gomes ainda chama a atenção para o fato de o mapa atual de transmissão comunitária do vírus estar muito parecido ao que aconteceu em dezembro de 2020 — e todos nós somos testemunhas de como a crise sanitária se aprofundou rapidamente a partir de janeiro, fevereiro e março de 2021.

Efeitos das vacinas?

Diante das boas novas recentes, muita gente tem se perguntado se o avanço da vacinação contra a covid-19 no país pode ter contribuído para essa queda, especialmente nas médias de mortalidade.

Embora a campanha brasileira ainda esteja bem longe de imunizar uma parcela significativa da população, alguns indícios apontam que alguns grupos, como os profissionais da saúde e os idosos, podem já ter sentido alguns benefícios de terem recebido prioridade.

Esse ganho pode ser observado num trabalho realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), da Universidade Harvard e do Ministério da Saúde.

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O levantamento aponta que , nas seis primeiras semanas de 2021, 25% das mortes por covid-19 ocorreram entre pessoas com mais de 80 anos. A partir de maio e junho, essa faixa etária passou a representar apenas 12% dos óbitos registrados.

A mesma queda foi observada nos indivíduos de 75 a 79 anos algumas semanas depois.

Como esses grupos foram os primeiros a tomar a vacina logo que elas começaram a chegar ao Brasil (em meados de janeiro e fevereiro), tudo indica que eles ficaram mais resguardados das formas graves da doença, que evoluem para necessidade de internação em UTI, intubação e, em alguns casos, óbito.

"O rápido aumento da cobertura vacinal entre idosos brasileiros foi associado a quedas importantes na mortalidade relativa em comparação com indivíduos mais jovens", escrevem os cientistas responsáveis pelo estudo.

"Se as taxas de mortalidade entre os idosos permanecessem proporcionais ao que foi observado até a semana 6 [entre janeiro e fevereiro de 2021], seriam esperadas 43.802 mortes adicionais relacionadas à covid-19 até a semana 19 [entre maio e junho]", concluem.

A grande questão, como dito anteriormente, é que estamos longe de aplicar os imunizantes em todos os brasileiros: até o momento, apenas 12% da população já recebeu as duas doses.

E levaremos pelo menos até o final de 2021 ou início de 2022 para que todos os indivíduos com mais de 18 anos estejam efetivamente vacinados — isso se as projeções de entregas de vacinas do Ministério da Saúde e as promessas de prefeitos e governadores se cumprirem.

A aceleração da vacinação contra a covid-19, incentivada por pesquisadores em saúde pública, permitiria não apenas proteger individualmente cada um dos cidadãos contemplados, mas contribuiria pouco a pouco para chegarmos à imunidade coletiva que nos permitirá futuramente ficar numa situação mais tranquila e menos restritiva.

O perigo das cepas atualizadas

Em meio a tantos avanços e retrocessos, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil citaram o aparecimento de novas variantes do coronavírus como uma das mais fortes ameaças a um eventual arrefecimento da pandemia.

A variante Gama, detectada originalmente em Manaus, foi decisiva para que a segunda onda tomasse a forma e matasse milhares de pessoas não apenas em nosso país, mas em várias partes do mundo.

Já a variante Delta, que surgiu na Índia, assusta pelo seu poder de transmissibilidade: em poucas semanas, ela dominou as cadeias virais do Reino Unido, a ponto de postergar (e até fazer regredir) as medidas restritivas por lá.

"E, quanto mais tempo um vírus circula, maior a probabilidade de que ele sofra mutações que eventualmente podem até inviabilizar as vacinas já disponíveis", avisa Petry.

"Nosso medo é que uma imunização lenta permita que surjam novas variantes ainda mais perigosas, o que seria muito ruim", completa.

Para que esse cenário catastrófico não vire realidade, existem duas coisas principais que devem ser feitas com urgência.

A primeira delas é botar o pé no acelerador da vacinação: em junho, 800 mil brasileiros foram imunizados todos os dias, em média.

É preciso aumentar esse ritmo: o Programa Nacional de Imunizações (PNI) tem capacidade para aplicar as doses contra a covid-19 em até 2 milhões de pessoas a cada 24 horas.

"E nós já alcançamos números parecidos nas campanhas contra a poliomielite, por exemplo", lembra Petry.

O segundo ponto está em reforçar as medidas não farmacológicas que impedem a circulação do coronavírus, sobre as quais falaremos adiante.

Distanciamento, máscara e teste

Enquanto as porcentagens de brasileiros vacinados sobem pouco a pouco, os gestores de saúde pública deveriam persistir e até ampliar as ações comprovadamente eficazes para conter as curvas epidêmicas.

Falamos aqui de políticas que inibam aglomerações, incentivem o uso de máscaras, controlem as fronteiras e as rodovias e criem um programa de testagem e rastreamento de contatos, algo que não foi implementado até agora no país.

"Enquanto a Austrália faz um monitoramento pesado e tranca todo mundo quando os primeiros casos são detectados num lugar, aqui a gente não faz testes de forma sistemática", compara Albuquerque, que também integra o Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami da Universidade Federal de Pernambuco.

Sem essa vigilância munida de informações de diagnóstico, fica complicado saber a real situação da pandemia no país e como isso vai evoluir nas próximas semanas.

E esses cuidados todos, inclusive, deveriam ser pensados não apenas do ponto de vista de nosso território, mas de todo o continente ou dos países com os quais temos contato frequente, defende Albuquerque.

"Durante uma pandemia, um país só está seguro quando a situação também está controlada nos seus vizinhos", raciocina o especialista.

Do ponto de vista individual, vale seguir respeitando as orientações que minimizam os riscos, como ficar em casa sempre que possível e, ao sair, usar máscara (de preferência, a PFF2 ou a N95), manter uma distância mínima de 1,5 metro de outras pessoas, lavar as mãos com frequência e preferir lugares abertos e bem arejados.

E, claro, quando chegar a sua vez, ir até o posto de saúde para receber a vacina (independentemente do imunizante que estiver disponível) para ficar mais protegido e contribuir para que a pandemia melhore pra valer num futuro próximo.

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