À medida que a vacinação contra o coronavírus avança pelo país, cidades brasileiras mais adiantadas na imunização ensaiam um retorno à normalidade. De Norte a Sul, moradores depositam no imunizante a expectativa de reaver suas vidas. A retomada vem acontecendo aos poucos, em especial nos municípios menores, onde a vacinação já abarcou boa parte dos habitantes. Até ontem, 59,9% da população brasileira havia recebido a primeira dose, e 26%, a segunda ou a dose única.
Não bastassem as praias selvagens e as paisagens paradisíacas, o arquipélago de Fernando de Noronha ostenta agora o título de primeiro local de Pernambuco a imunizar 100% da população acima de 18 anos com ao menos uma dose. O feito ocorreu em 18 de junho e já transformou o clima na ilha.
Os bares voltaram a ter música ao vivo. Os restaurantes não têm mais restrições para funcionar. Os casamentos com até 50 pessoas, sem banda, foram liberados. Pousadas e passeios estão com as agendas cheias para os próximos meses.
Assim que o coronavírus aportou na ilha, Noronha se fechou quase completamente. A administração proibiu os seis voos diários e manteve permitidas apenas embarcações de carga. Por sete meses, turistas não entraram. A economia local, 95% dela ligada ao turismo, degringolou. Os ilhéus passaram a viver de suas reservas, da pesca comunitária e da doação de cestas básicas.
No auge da primeira onda, em abril, a ilha restringiu também a circulação. Para ir ao mercado ou à farmácia, os moradores tinham de pedir autorização, informando a finalidade e o período da saída. Se pegos descumprindo a regra, eram encaminhados à delegacia e podiam até mesmo responder a um processo criminal.
"Impusemos um verdadeiro lockdown, e foi crucial para controlar a pandemia", explicou Guilherme Rocha, administrador de Noronha. "Quando reabrimos, em outubro, passamos a exigir o teste negativo para entrar e fizemos testagem em massa".
A empreendedora Bárbara Polezer, de 35 anos, mora na ilha desde 2017. Dona de uma empresa de passeios de canoa havaiana, ela conta que a renda dela e do marido só não chegou a zero porque criaram uma “remada amiga” para os moradores, cobrando um valor simbólico. Se por um lado as finanças minguaram, por outro os noronhenses vivenciaram uma ilha que não viam havia pelo menos duas décadas.
"A gente viveu num mundo meio paralelo, uma coisa paradisíaca incrível", contou Bárbara, que está grávida de sete meses e já tomou a segunda dose. "O trabalho aqui se mistura muito com a vida pessoal. Com o fechamento da ilha, as pessoas começaram a cuidar das suas casas. Reforçamos os laços entre amigos neste período".
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Até a primeira semana de setembro, Noronha pretende vacinar com a segunda dose o total da população adulta. Entre os 4 mil moradores, o clima é de confiança nessa retomada. A pandemia forçou não só os moradores a repensar suas vidas, mas também a administração. Rocha afirma que pretende enfrentar a pressão das companhias aéreas e não liberar voos extras para a ilha, de modo a respeitar o plano de manejo, que limita os turistas a 89 mil ao ano. Antes do fechamento, Noronha chegou a receber 106 mil.
Arraiá da praça
Há duas semanas, a praça principal de Alcântara, na região metropolitana de São Luís, capital do Maranhão, foi tomada pelo colorido dos espetáculos folclóricos e pelos sabores juninos. Após dois anos, os moradores da cidade de 24 mil habitantes — tombada como conjunto arquitetônico e urbanístico e famosa por seu centro de lançamento de foguetes — sentiram o gostinho de reviver as celebrações típicas do estado.
Para surpresa dos organizadores, o arraial reuniu quase 3 mil moradores na praça da matriz.
"Iniciamos com o propósito de fazer um espetáculo teatral junino pequeno. Mas, como a vacinação avançou, decidimos ousar e chamar grupos de fora. Todos os brincantes foram recebidos pela Vigilância Sanitária, para conferir a vacinação", contou o organizador, Haroldo Júnior.
Sete de cada dez moradores de Alcântara são quilombolas. O grupo é prioridade no plano de imunização federal. Pela dificuldade de acesso às comunidades, em março o município figurava entre as cidades maranhenses mais atrasadas na vacinação. Uma força-tarefa foi criada para acelerar o trabalho e, em 16 de junho, a cidade ficou conhecida como a primeira do Brasil a aplicar a primeira dose de vacina em toda a população adulta.
A pacata Uru, uma das cidades menos populosas de São Paulo, é um aglomerado de nem 20 quarteirões e poucas ruas. No começo de agosto, o município apareceu no topo do ranking de vacinação do estado. Segundo a Secretaria da Estratégia Saúde da Família, 99,6% dos 1.203 moradores adultos receberam a primeira dose, e 55,5%, a segunda.
Um dos cidadãos mais satisfeitos é o aposentado Geraldo Barbosa, de 83 anos, que precisou suspender as rodadas de truco com os amigos na pandemia.
"A gente perdeu um colega de baralho para o corona, o Índio. Pegou e não levou cinco dias. Mas agora estamos animados para voltar", comemora.