Medo, angústia, exaustão fazem parte da rotina dos profissionais de saúde da linha de frente contra a Covid-19. A preocupação com o avanço da variante Delta cresce em meio às novas ondas da doença e ao debate sobre a possível necessidade de aplicação de dose de reforço, já anunciada pelo Ministério da Saúde para idosos e imunossuprimidos.
"Eu fui uma das profissionais de saúde que se formaram por causa da pandemia (com a colação antecipada). Esse tempo todo, trabalhei em hospitais de campanha, UTIs de Covid... Sempre, sempre, sempre tive muito medo de trabalhar. Com certeza, gera uma tensão muito grande. O maior medo não é só de contrair, mas também de passar para familiares que são mais idosos ou que têm comorbidades", conta a médica plantonista em UTI Nadja Azevedo, de 26 anos.
A pasta, contudo, ainda não bateu o martelo em torno da questão. A dose adicional para o grupo é avaliada pela Câmara Técnica Assessora de Imunização Covid-19 (Cetai), que conta com integrantes do ministério e de órgãos governamentais e não governamentais, entre outros. Procurado pelo GLOBO, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) informou que o tema ainda não foi debatido em assembleia.
Até o momento, a pasta avalia que faltam evidências científicas que confirmem essa necessidade e aguarda dados sobre a morbimortalidade — índice de óbitos por causa de uma mesma doença dentro de um grupo populacional — dos profissionais de saúde em relação ao coronavírus.
"Eu pedi a um dos integrantes da Cetai que fizesse uma avaliação da morbimortalidade dos trabalhadores em saúde e, na próxima reunião da Câmara Técnica vão trazer esses dados. Se houver ali uma evidência robusta, uma evidência que nos indique a necessidade de aplicar essa dose de reforço também nos profissionais de saúde, nós o faremos", afirmou o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
Impactos emocionais
Aos riscos da Covid-19 soma-se a rotina exaustiva carregada pelas incertezas trazidas pela pandemia.
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A enfermeira Clara Ilke Soares, 23, desenvolveu burnout em abril diante da carga emocional de trabalho, durante o qual chegou a perder uma paciente de 30 anos, às vésperas de ser contemplada pela primeira dose.
"Eu já passei por tanta coisa que nem sei mais. Eu não diria que é medo, não. Eu diria que a fase do medo já passou, é mais uma apreensão com as variantes novas. Até agora a CoronaVac está me protegendo", afirma a residente em saúde da família com foco na população do campo, que completa: "O fato de ser residente já te expõe a muitos estresses, uma carga de trabalho muito alta... E eu peguei, além de tudo isso, uma pandemia que ninguém conhecia".
O desconhecido segue assustando os profissionais de saúde e, embora não haja proteção absoluta, o reforço traria segurança:
"Me ver no início da pandemia em um cenário totalmente diferente do que eu esperava foi um desafio. Mesmo já tendo tomado a primeira e a segunda doses, eu sinto medo, porque tem as novas variantes", afirma a farmacêutica Karoline Abreu, 25 anos. "Eu acho que não teria 100% da sensação de proteção, mas acredito que ficaria um pouco mais tranquila com a terceira dose".
A epidemiologista Ethel Maciel avalia que a dose de reforço deve ser aplicada nos profissionais de saúde, já que a maioria recebeu a vacina há oito meses, período para o qual o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, avaliou a eficácia da vacina. Para a especialista, a maior exposição do grupo à Covid-19 também pesa na decisão.
"Considero que os profissionais de saúde, que em grande parte se vacinaram em janeiro e fevereiro, devem ser incluídos depois dos idosos", diz a professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). "Neste momento em que os dados passam a ser analisados e os países começam a aplicar doses de reforço, a gente precisa também reavaliar o plano de vacinação contra a Covid no Brasil".