O brasileiro está mais que habituado com o uso dos antibióticos - medicamentos que inibem ou impedem o crescimento e causam a morte das bactérias. O que pouco se sabe, no entanto, é que o uso indiscriminado dessas substâncias pode causar grande dano à saúde individual do paciente e da população em geral - a chamada resistência bacteriana.
"[Resistência bacteriana] É quando as bactérias sofrem mudanças e ganham força, até ficarem praticamente resistentes aos antibióticos. O risco é que com o tempo, infecções bacterianas simples se tornam cada vez mais difíceis de ser combatidas, podendo levar a quadros mais graves ou até a morte", explica o Dr. Geraldo Druck Sant'Anna, professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre - Santa Casa de Porto Alegre - , e especialista convidado pelo Global Respiratory Infection Partnership (GRIP) - uma iniciativa que busca defender o uso racional de antibióticos no tratamento de infecções das vias aéreas superiores.
"Isso é mais comum e muito mais perigoso do que se imagina", alerta o Dr. Sant'Anna. "Tomemos como exemplo um paciente que sente dor de garganta. Caberá ao médico analisar e avaliar o quadro clínico para identificar se é uma infecção viral ou bacteriana. Essa análise é feita por algumas etapas, como o histórico do paciente, tempo de sintomas, e aspectos do exame clínico e, eventualmente, laboratorial", diz.
Uma pesquisa liderada pelo epidemiologista norte-americano Mark M. Ebbel revelou que 80% dos medicamentos prescritos para casos de infecções de vias aéreas foram indicados de maneira equivocada, já que grande parte dos sintomas eram relativos à problemas causados por vírus, como afirma o Dr. Sant'Anna.
"Uma avaliação equivocada ou até a insistência ou resistência de um paciente a determinadas condutas, podem resultar em prescrição de antibióticos desnecessariamente. E, a longo prazo, o uso indiscriminado ou em excesso pode criar a resistência bacteriana", explica.
O especialista ensina como essa resistência pode se tornar um problema a longo prazo para a medicina e, por consequência, para os pacientes.
"Até a descoberta da penicilina, em 1928, era comum pessoas morrerem de infecções consideradas simples, decorrentes de cirurgias e após a realização de partos, porque não tinham medicamentos adequados para prevenir as infecções pós-operatórias. O surgimento do antibiótico revolucionou a medicina, pois ele foi responsável por uma grande redução da taxa de mortalidade e aumentou a expectativa de vida da população em oito anos", conta.
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"Porém, as bactérias são muito espertas e as primeiras consideradas muito resistentes foram percebidas dois anos após a descoberta da penicilina. Por isso a preocupação sobre a resistência bacteriana é enorme, latente e considerada uma das ameaças à humanidade."
Para tentar contornar a situação, o médico afirma que o primeiro passo é evitar os antibióticos sempre que possível - o que pode significar o pedido de uma investigação maior dos sintomas ao médico, e mais precisamente, não pedir pelo medicamento.
"Ainda que no Brasil o uso seja controlado com retenção de receita desde 2010, de acordo com determinação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), é comum que pacientes peçam antibióticos ao médico durante a consulta ou o próprio médico, sobretudo quando o único ponto de contato com o paciente seja aquela consulta, acabe prescrevendo o medicamento por um aparente e equivocada precaução de quadro de piora, por não poder acompanhar a evolução do paciente nos dias a seguir".
Mesmo com a exigência do receituário, é essencial lembrar que a automedicação também não é uma boa opção. Segundo dados colhidos pelo Conselho Federal de Medicina, 77% da população brasileira faz uso de medicamentos sem qualquer orientação médica.
Sant'Anna chama atenção para a necessidade de um diagnóstico correto para as infecções virais, que não devem ser tratadas com esse tipo de medicamento, e faz o alerta: só os médicos podem avaliar corretamente a origem da infecção, orientando o melhor tratamento a seguir.
"Em caso de infecções virais, é necessário observar e apenas tratar os sintomas, com remédios para combater a dor e a febre, para que o paciente passe pelo período natural da doença com menos desconforto. Aumentar a ingestão de líquidos, repouso e evitar contato com outras pessoas também colaboram bastante para o tratamento. Mas atenção, só o médico é capaz de avaliar a origem da infecção, se viral ou bacteriana. Se houver dor ou febre há 48h, é fundamental que o médico seja consultado", finaliza.