A situação da pandemia de covid-19 na Europa, o surgimento de novas variantes (como a Ômicron), a quantidade de cidadãos vulneráveis e a baixa taxa de vacinação na América do Sul devem servir de alerta para o Brasil durante os próximos meses.
Essa é a avaliação feita pelo médico sanitarista Jurandi Frutuoso, secretário executivo do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, o Conass.
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Mestre em saúde coletiva pela Universidade de Brasília e secretário de Saúde do Ceará entre 2003 e 2006, o especialista reforça a necessidade de prudência com o coronavírus, mesmo que a situação do país tenha melhorado durante os últimos meses.
"É natural que, após dois anos de completa inatividade de alguns setores, exista agora uma ansiedade pelo retorno à vida normal. Mas precisamos tomar cuidado, pois vários sinais amarelos foram ligados em algumas partes do mundo recentemente", analisa.
Frutuoso entende que é preciso ter cautela com alguns eventos que estão por vir, como as festas de final de ano e o Carnaval. O temor é que elas estimulem o trânsito de turistas e causem aglomerações, que são um dos principais focos de transmissão do coronavírus.
"A entrada de turistas e as viagens internas entre cidades e Estados aumentam a possibilidade de aglomerações. E isso pode vulnerabilizar mais uma vez a nossa situação", avalia.
Um passo para frente, dois para trás
Na avaliação de Frutuoso, o avanço da vacinação contra a covid-19 permitiu que o Brasil "ficasse numa situação mais tranquila", com quedas nas médias móveis de casos e mortes pela doença desde o começo do segundo semestre de 2021.
"Mas nós ainda temos cerca de 30% da população que não está com o esquema completo ou não recebeu nenhuma dose", calcula.
"Isso nos preocupa, pois falamos de milhões de pessoas mais vulneráveis", complementa.
Nessa conta, entram todas as faixas etárias, incluindo as crianças, cuja vacinação contra a covid-19 ainda não está liberada pelas autoridades brasileiras.
Se considerarmos apenas o público-alvo da campanha nacional, quase 90% dos indivíduos receberam a primeira dose e 75% estão com o esquema vacinal completo.
O médico sanitarista também chama a atenção para a baixa cobertura vacinal em outros países da América do Sul que fazem fronteira com o Brasil.
Enquanto Uruguai tem 76% da população completamente vacinada e Argentina está com 64% dos cidadãos mais protegidos, em outros países da região a campanha está bem mais atrasada. É o caso de Suriname (com 37% de indivíduos com as duas doses), Guiana (35%), Paraguai (35%) e Bolívia (33%). Os números são do site Our World In Data , que compila informações e estatísticas sobre a pandemia.
Na visão do secretário do Conass, isso representa uma segunda ameaça para o Brasil: o fluxo constante de pessoas pode fazer a situação piorar, a começar pelo aumento da taxa de transmissão do coronavírus em regiões e cidades fronteiriças.
O terceiro elemento que sinaliza um alerta para nosso país é a nova onda de covid-19 que acomete a Europa. Nas últimas semanas, esse continente foi classificado como novo epicentro da pandemia pela Organização Mundial da Saúde e alguns países tiveram que reintroduzir algumas restrições e até o lockdown.
Frutuoso lembra que, há alguns meses, a situação europeia havia ficado mais tranquila — o que, inclusive, motivou o abandono de algumas medidas, como o uso de máscaras e a prevenção de aglomerações.
"E, para completar, tivemos agora mais recentemente a descoberta da variante Ômicron na África do Sul, que traz uma constelação de mutações que ainda precisam ser estudadas, mas que podem afetar a imunidade prévia", observa o especialista.
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O que fazer agora?
E é justamente para evitar que esses fatores afetem o Brasil e façam a pandemia piorar novamente por aqui que o Conass pede prudência e cautela aos gestores públicos.
Em cartas publicadas nos últimos dias, a entidade faz dois apelos principais. Primeiro, que o Governo Federal coloque em prática a exigência de comprovante de vacinação para a entrada de viajantes no Brasil, como orientado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Por ora, os passageiros que desembarcam aqui precisam apresentar apenas um teste PCR negativo para covid e uma declaração sobre o estado de saúde.
Segundo, que os gestores de cidades e Estados evitem grandes festas e aglomerações pelos próximos meses, especialmente o Réveillon e o Carnaval.
"Não é possível adotar uma decisão única para os mais de 5 mil municípios brasileiros. Mas os responsáveis pelas políticas públicas precisam considerar a realidade epidemiológica local e alguns indicadores, como a taxa de transmissão do coronavírus, o índice de vacinação e a ocupação de leitos hospitalares", analisa Frutuoso.
"Também é importante que os gestores continuem com a vacinação e estimulem as medidas não farmacológicas para controle da pandemia, como o uso de máscara, a lavagem das mãos e a redução de aglomerações quando possível."
"Resumindo, precisamos colocar em prática dois termos muito importantes: bom senso e responsabilidade. Todas as decisões precisam estar baseadas nas evidências científicas e seguir critérios técnicos", completa o sanitarista.
Dois pesos, duas medidas?
Por fim, Frutuoso entende que a decisão de cancelar ou não o Carnaval, que tem gerado debates acalorados nas redes sociais, precisa estar alinhada com as demais medidas de restrição — de nada adianta uma cidade não realizar as festividades em fevereiro enquanto permite que shows, cultos e jogos de futebol com público aconteçam a todo vapor no final de 2021 e no início de 2022, por exemplo.
De acordo com notícias divulgadas nos últimos dias, mais de 70 cidades do interior e do litoral de São Paulo decidiram não realizar o Carnaval no próximo ano.
"Se um município libera tudo e quer proibir apenas o Carnaval, isso é temerário e fragiliza a decisão", contrapõe o secretário.
"Não se pode abrir mão das máscaras e permitir aglomerações agora se você está preocupado com o que vai acontecer em fevereiro", avalia.
O especialista reforça que todas as políticas públicas para conter a pandemia devem ser feitas com prudência, lucidez e critérios técnicos.
"Todos nós sabemos o quanto esses dois últimos anos foram dolorosos e desgastantes. Mas o que podemos fazer, agora que chegamos até aqui?", questiona.
"São justamente esses cuidados que ajudam a evitar que o sinal amarelo de outras partes do mundo também se acenda aqui no Brasil", conclui.
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