A nova onda de covid-19 chegou à Europa. No último mês, Alemanha, Áustria, Eslováquia, Holanda, Hungria - entre outros países -, passaram a conviver novamente com um número exorbitante de casos e mortes em decorrência da doença passados quase dois anos de pandemia.
Ontem (2), a Alemanha registrou mais de 73 mil casos, e 388 mortes. Um novo recorde. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o continente pode ter 700 mil mortos em decorrência da doença até março de 2022. Mas o que explica o súbito aumento da incidência da doença em países com doses em estoque, e que já haviam iniciado a flexibilização de certas medidas de combate ao vírus?
"Geralmente os casos estão ligados a dois fenômenos: o mais importante, a ausência de um alto percentual de vacinação inicial, ou seja, o esquema com duas doses, na população em geral; ou o esforço ainda baixo para aplicação de doses de reforço - ", explica o infectologista Alexandre Naíme, chefe do departamento de infectologia da Unesp, consultor da Sociedade Brasileira de Imunização (SBI) e membro da Associação Médica Brasileira, em entrevista ao iG .
A culpa, no entanto, não é majoritariamente dos movimentos antivacina, e dos que ainda se sentem desconfiados em relação aos imunizantes. O fato de a cultura da vacinação, tão inerente ao brasileiro, não fazer parte do dia a dia do europeu também atrapalha o engajamento.
"Costumo chamar o Brasil de 'país do zé gotinha'. Já temos no nosso DNA a cultura de se vacinar, nós aprendemos, até por ser tratar um país pobre - agora em desenvolvimento, mas há 30 anos, pobre, - que as vacinas erradicam doenças como varíola, sarampo, pólio. E todo o Plano Nacional de Imunização (PNI), que vem da década de 1970, acabou trazendo a cultura positiva em termos de vacinação", afirma o Dr. Naíme.
O professor Flavio Fonseca, virologista da UFMG e presidente da sociedade brasileira de virologia, comenta também sobre o aceite da vacina nesses países, e analisa a forma como a variante delta os atingiu, de forma avassaladora.
"A Alemanha, a Rússia, e alguns países do leste europeu tem 'bolsões' de população que recusam a vacina. Em outros países, como o Reino Unido, onde a recusa é menor, o número de casos aumenta, mas não é acompanhado do número de mortes. Não é uma questão de disponibilidade, mas do aceite. No Brasil, por exemplo, a rejeição à vacina é muito pequena", comenta.
Ele também explica o porquê da variante delta não ter chegado com tanta intensidade ao Brasil.
"Nós tivemos uma segunda onda violenta, com uma variante violenta, que é a gama, de Manaus, que contém mutações semelhantes à delta. Essa segunda onda gigantesca pode ter criado uma imunidade que nos tornou menos suscetíveis à ela".
A opção de não vacinar é pouco compreendida até mesmo pelos especialistas e médicos. Para Fonseca, é uma questão a ser debatida com as novas gerações, que não tiveram contato com doenças graves e já erradicadas, como a poliomelite e a varíola, graças às vacinas.
"Tenho extrema dificuldade de entender o que motiva uma pessoa a recusar vacina. Não é uma escolha racional. Eu tenho uma teoria, compartilhada por vários colegas, que as populações, nossas gerações atuais perderam a noção de que as anteriores tinham de que a vacina é essencial", afirma.
"Antigamente você chegava em um posto e não queria saber qual a marca da vacina. Queria tomar a vacina porque você precisava se proteger, proteger seu filho de uma doença fatal como a febre amarela, a poliomelite, a hepatite."
Diante disso, a opção adotada pela Ástria e pela Alemanha, que têm cerca de 70% de sua população vacinada, uma estatística que pode ser considerada estagnada, de determinar o lockdown para os não vacinados, é uma decisão acertada, segundo os especialistas ouvidos pelo iG .
"Há discussão se a opção por não se vacinar é um direito do cidadão, e é, de fato. Mas se você faz a opção por não se vacinar, você pode ter sim restrições impostas no seu dia a dia. É uma ação lógica. Esses grupos estão se infectando com mais intensidade agora, então há uma razão técnica para limitar a circulação", opina o professor Fonseca.
Para o Dr. Naíme, a preservação da saúde pública está acima de qualquer direito individual. "Nesses países, o passaporte vacinal e medidas até mais intensas, como o lockdown para não vacinados são medidas que tem que ser tomadas por um motivo claro: o meu ir e vir esbarra na questão de saúde pública. Quando eu ofereço um risco à saúde pública, isso é maior que o meu direito."