No fim de novembro, o número de casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) causados por influenza no município do Rio ultrapassou a quantidade de casos provocados por Covid-19 . É o que apontam dados de informações em saúde da prefeitura, disponíveis no Tabnet municipal, filtrados pelo GLOBO.
Na semana epidemiológica 47, que foi dos dias 21 a 27 do mês passado, a cidade registrou 36 casos de SRAG por influenza e 25 por Covid-19. O número de ocorrências de SRAG por influenza nesse período foi quatro vezes maior do que na semana epidemiológica anterior, quando foram registrados nove casos.
Trata-se de um indício do surto que o município vive, que já obrigou a Secretaria de Estado de Saúde (SES) a fincar tendas de guerra nas Unidades de Pronto-Atendimento (UPA) para auxiliar no atendimento à população e levou a Secretaria municipal de Saúde (SMS) a inaugurar nesta quarta-feira, na Vila Olímpica do Complexo do Alemão, na Zona Norte, um polo de atendimento e testagem. Com os estoques de vacina esgotados, a cidade do Rio deve receber mais doses por doação de São Paulo, conforme anunciou o prefeito Eduardo Paes.
Os números oficiais para o período ainda podem aumentar, já que o critério de contagem de casos usado nos dados, o da semana epidemiológica em que os primeiros sintomas surgiram, tem uma atualização mais lenta, embora ofereça um retrato mais preciso do contexto epidemiológico.
Ainda de acordo com o Tabnet, há 155 casos de SRAG em investigação na cidade. O diagnóstico laboratorial desses episódios pode acabar fazendo a balança pender novamente para o lado da Covid-19. No entanto, para o pesquisador Leonardo Bastos, do Observatório Covid-19 BR, as chances de isso acontecer são pequenas, uma vez que o estado do Rio vive hoje o que, na avaliação dele, já poderia levar o nome de epidemia de gripe.
"Não existe um ponto de corte para determinar o limite entre o surto e a epidemia nesse caso, mas, pelo fato de a onda já ter se espalhado pela cidade inteira e por outros municípios, eu diria que se trata de uma epidemia de influenza. Se não estivéssemos na pandemia (de Covid-19), o que estamos vivendo agora seria encarado como uma coisa muito séria", diz.
O especialista esclarece que a influenza tem uma taxa de transmissão menor que a da Covid-19, o que reforça a gravidade da situação.
"A grande maioria dos casos de influenza é de síndrome gripal, ou seja, caso leve. Quanto maior o número de casos de SRAG (ou casos graves) notificados, maior é o número de casos leves", pontua.
Entre as semanas epidemiológicas 46 e 47, o número de casos semanais de SRAG notificados na cidade, seja por Covid-19, por influenza ou por qualquer outro agente etiológico, subiu de 274 para 302 — um aumento de 10%.
Dos 302 episódios registrados no último período de referência, 67 têm causa indeterminada, ou seja, não foram testados, tiveram resultado inconclusivo nos exames laboratoriais ou ainda apresentaram diagnóstico negativo para os patógenos para os quais foram testados, exigindo novas análises.
Dados da plataforma InfoGripe, da qual Bastos é um dos criadores, apontam que o Rio não vive um surto de influenza desse porte desde 2019, quando a circulação do vírus teve um aumento acentuado também em São Paulo. Um quadro semelhante se desenhou ainda em 2016, quando ambos os estados viveram uma epidemia de influenza.
Rede sobrecarregada
O surto de gripe no município do Rio de Janeiro tem levado centenas de pessoas, diariamente, a peregrinarem pelas unidades de saúde em busca de atendimento. Atualmente, 14 pessoas estão internadas com a doença na cidade.
Na manhã desta quarta-feira, a Secretaria municipal de Saúde abriu um polo de atendimento e testagem na Vila Olímpica do Complexo do Alemão, na Zona Norte. Em menos de uma hora mais de 200 pessoas haviam recebido atendimento com sintoma da doença. Uma, em estado crítico, teve que ser removida de ambulância para a UPA do complexo de favelas. De acordo com o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, o estoque de vacinas contra a influenza do estado está zerado.
O gari Carlos Henrique Mota, de 58 anos, é morador da localidade conhecida como Alvorada, no Alemão. Há quase uma semana ele diz estar com muita dor no corpo, febre e tosse. Na manhã desta quarta-feira, acompanhado da mulher, Carlos Henrique foi levado para a Vila Olímpica do Alemão. Sem condições de andar e respirar, ele precisou ser transferido para uma Unidade de Pronto-atendimento.
"Ele não está aguentando respirar e nem andar. Está tossindo e com muita dor no pulmão. Diagnosticaram ele com gripe. Como ele não está bem, estão removendo ele", disse a doméstica Ana Maria Cardoso Barros, de 45 anos, a mulher de Carlos.
A técnica de enfermagem Regina Célia dos Santos Freitas, de 60 anos, mora na localidade da Fazendinha, no Alemão. Há mais de 24 horas sente sintomas de gripe. Na manhã desta quarta, ela procurou atendimento na Clínica da Família Zilda Arnns. Foi orientada a procurar a Vila Esportiva.
"Estou sentindo muita dor. Estou com febre de quase 40 graus e muita tosse. Fui no Zilda Arnns e mandaram eu vim para cá. Esse é descaso total com a saúde da gente", destacou.