Shantal e a filha Domênica: áudio vazou com relato de violência
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Shantal e a filha Domênica: áudio vazou com relato de violência

Nos últimos dias, veio à tona o áudio da influenciadora Shantal Verdelho, que soma mais de 2,5 milhões de seguidores nas redes sociais, relatando ter sofrido violência obstétrica no parto de Domênica, sua filha mais nova.

O médico era Renato Kalil, obstétra requisitado entre as famosas. De acordo com o áudio, ele teria xingado a influencer, a exposto para o pai da criança e outras pessoas, o também influencer Mateus Verdelho.

O caso trouxe para pauta a discussão sobre a violência obstetrícia. Entenda a prática no especial preparado pelo iG Saúde.

Violência obstetrícia: o que é

Trata-se de toda ação que possa prejudicar a mulher durante a gestação, e pode ser cometida por médicos ou enfermeiros. Vai dos constrangimentos verbais, humilhações, ridicularização por escolhas feitas durante a gravidez ou a condição da mulher, até mesmo as intervenções físicas e sexuais às quais ela pode ser submetida sem consentimento.

Negligenciar tratamentos que podem tornar o parto ainda mais difícil também é uma forma de violência: deitar em posições sabidamente desconfortáveis, recusar medicamentos, água ou comida a mulher em trabalho de parto, ou não permitir o acompanhamento durante o nascimento da criança.

À primeira vista, a impressão é de que algum item da lista "é normal" ou "sempre acontece", mas um tratamento ríspido em um momento tão delicado pode se transformar em um grande gatilho.

"A violência obstétrica é tudo que sai de um padrão de conduta aceitável dentro de um período que vai desde o início da gestação até depois do parto. E a violência não se configura só com relação a questões físicas, alguma sequela física na gestante ou na criança, mas se configura pela falta de informação, grosseria no tratamento, que se estende não só a equipe médica, mas de enfermagem, a falta de esclarecimento para as parturientes como é o processo, como acontece, como deve ser a expectativa", explica a advogada Rosalia Ometto, membro da Comissão de Direito Médico e de Saúde da OAB-SP.

"Se vai ser preparada, por exemplo, para um parto normal, deve ter orientações de como fazer trabalhos de ajustes, pela dor. Entender como é a expulsão. 'Faz força', todo mundo se diz, mas é específico. Teria que ser explicado antes. A dilatação, por exemplo, teria que ser explicada", completa.

Como identificar

A Dra. Camila Pinheiro, ginecologista e obstetra do Centro de Ginecologia e Obstetrícia Mourad e Pinheiro, explica que ao primeiro sinal de desconforto, a mulher não deve se calar.

"A mulher precisa se sentir confortável com o que está acontecendo. Em momento nenhum ela deve se calar se não gostar de alguma abordagem, algo mal colocado ou qualquer tipo de brincadeira que seja", afirma.

"Se você não tem local de fala durante essa relação médico x paciente, acho que está na hora de definir outro caminho", pontua.

Em um dos seus casos, a advogada Rosália ouviu de uma cliente que, durante as dores do parto, o médico disse: "não gritou para fazer e agora fica gritando para ter".

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"São situações muito ruins. Existem alguns lugares que narraram a falta de medicação contra dor. E aí você tem que explicar que, em algumas situações, não pode dar. Desde 1990 o Código do Consumidor traz obrigações para qualquer prestador de serviços, incluindo hospitais. Esclarecer, tirar dúvidas. E se a paciente não entende, precisa explicar de novo. Para aqueles médicos, enfermeiros, pode ter sido mais um parto, mas para aquela mãe talvez seja o primeiro ou último", diz.

"Essa violência pode ser verbal, que abala a questão íntima, abala o emocional, o psicológico. Em geral, a violência obstétrica tem muito esse cunho, o desrespeito. E aí soma o machismo estrutural que temos na sociedade, e a maioria nem percebe que aquilo é um abuso.

O caso acabou ficando com outro advogado, mas serviu para sensibilizar os enfermeiros de hospitais, que a partir da experiência da mulher, passaram a identificar cada vez mais condutas inadequadas.

"Muitos colegas se sentem superiores hierarquicamente, acham que podem falar qualquer coisa. Mas temos que tomar muito cuidado, ali também está nascendo uma mãe. Temos que ter muito carinho e cuidado com essa mulher que está extremamente vulnerável", pondera a Dra. Camila.

O que fazer?

As mulheres que se sentirem violentadas podem procurar pelos conselhos de medicina e enfermagem, as administrações dos hospitais, ANS e SUS para denunciar as condutas das unidades de saúde ou dos seus médicos.

Rosália, no entanto, orienta que antes de qualquer providência - seja ela na esfera cível, contratando advogados para um processo na justiça, ou administrativa, procurando pelas entidades de classe, ela precisa se fortalecer emocionalmente.

"Às vezes o procedimento foi adequado, não houve sequela física, mas há uma sequela emocional muito grande. Uma das coisas que eu recomendo é que espere um período para se recompor, se dedicar ao bebê, fazer acompanhamento psicológico desde o início, e passados uns meses, fazer algo. É muita emoção junta", afirma.

"Qualquer processo demora. Até para isso a pessoa precisa estar emocionalmente melhor. Quando penso nas mulheres que passam por isso, oriento que procure o mais rápido possível um profissional de psicologia para ajudar que essa situação não se torne maior".

Um profissional de direito especializado na área também pode ajudar a "filtrar" o caso. "Ele pode fazer um questionamento no CRM para ver se a conduta foi antiética, junto ao SUS, ou uma reclamação na ANS, pode entrar com uma ação judicial, e isso pode resultar em alguma penalidade junto ao código de ética médica."

Episiotomia significa violência?

A Episiotomia, incisão no períneo - região entre o ânus e a vagina - que pode ser necessária durante o parto, é tida como o maior exemplo da violência obstétrica pelo senso comum. Em alguns casos, ela é até indicada, como quando o feto é muito grande ou quando há distorcia de ombro (dificuldade da passagem do ombro da criança após a passagem da cabeça).

"Quando me formei, era uma rotina, hoje, não fazemos isso. Temos pouquíssimas indicações relacionadas a lesões anteriores, prematuridade, e praticamente só se utiliza quando se trata de um parto 'operatório', feito com fórceps. Acho fundamental deixar claro que não é a presença da episiotomia que significa violência", esclarece.

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