Mãe de uma menina, a empresária Danieli Piovezan, de 38 anos, ficou feliz quando descobriu que a segunda filha estava a caminho. Mas ao fazer um ultrassom, aos seis meses de gestação, tomou um susto: a pequena Lara tinha uma cardiopatia congênita, uma doença cardíaca desenvolvida na gravidez. O diagnóstico foi confirmado por um ecocardiograma fetal, que avalia o coração do bebê dentro do útero. Era a Síndrome da hipoplasia do coração esquerdo, que pode causar insuficiência cardíaca.
Já no primeiro dia de vida, Lara foi encaminhada da Maternidade Curitiba ao Hospital Pequeno Príncipe, também na capital paranaense. Ficou nove dias na UTI neonatal, até a primeira cirurgia. Passou por outras duas operações, e aos oito meses foi para casa. Hoje, prestes a completar três anos, Lara se prepara para sua quarta e última cirurgia.
"No hospital aprendemos muito, tinha dias em que eu estava desolada. Se não tivéssemos descoberto no pré-natal, talvez ela nem tivesse sobrevivido. É um conjunto de milagre, superação e amor", afirma.
O acesso ao serviço de saúde faz diferença. O Ministério da Saúde estima que um a cada 100 nascidos vivos apresente alguma cardiopatia congênita, o que equivale a cerca de 30 mil bebês por ano no Brasil. Destes, 80% vão precisar de cirurgia, 50% deles no primeiro ano de vida.
Os casos representam uma das principais causas de morte neonatal no país e vão de cardiopatias mais frequentes, como a comunicação interventricular, o “sopro” cardíaco, a doenças como a Anomalia de Ebstein, condição rara que há dez dias levou a filha recém-nascida do ator Juliano Cazarré, de “Pantanal”, a fazer uma cirurgia.
Com o avanço da tecnologia, a identificação de casos tem aumentado no país. Mas, ainda assim, não é a maioria que tem acesso ao diagnóstico precoce, nem ao tratamento.
"Nos anos 90, pouquíssimos médicos realizavam o ecocardiograma fetal, e havia poucos aparelhos de alta qualidade, por isso muitos diagnósticos não eram feitos. Mas ainda hoje falta atenção ao coração no período fetal."
"Principalmente na pandemia, muitos bebês nasceram sem diagnóstico", diz a cardiologista pediátrica Cristiane Binotto, do Hospital Pequeno Príncipe.
Há, ainda, um desafio regional, já que boa parte da infraestrutura direcionada a cardiopatias congênitas está nas regiões Sul e Sudeste, onde mais de 70% dos casos são tratados. No Norte/Nordeste a situação se inverte, e cerca de 70% ficam sem tratamento. Muitas vezes o diagnóstico só acontece quando o bebê já apresenta alguma descompensação. E aí pode ser tarde.
Corrida contra o tempo
Em São Paulo, o diagnóstico precoce permitiu acompanhar de perto a pequena Lorena, de três meses. A mãe, a bancária Tamiris Rodrigues, de 34 anos, descobriu a síndrome de hipoplasia do coração esquerdo da bebê com 28 semanas de gestação, depois de um ecocardiograma fetal no Hospital e Maternidade Santa Joana.
"Eu não aceitava, chorava demais. Não conseguia curtir, tirar foto, comprar roupa para a bebê. Achava que minha filha não ia viver", lembra Tamiris.
Lorena nasceu em março e, com apenas quatro dias de vida, passou por um procedimento para colocação de um stent e uma bandagem. Aos 15 dias de vida, precisou fazer um cateterismo, e outro, aos dois meses. Ficou internada na UTI neonatal “por 70 longos dias”, descreve Tamiris, até ir para casa.
"Ela está se recuperando bem, é uma bebê esperta, muito curiosa", conta a mãe. "Graças a Deus, ao apoio da família, dos amigos e da família que também formamos no hospital, isso dá um conforto maior."
Agora, Lorena se prepara para uma nova cirurgia.
Para José Cícero Stocco Guilhen, cirurgião cardiovascular pediátrico do Hospital e Maternidade Santa Joana, o mapeamento de cardiopatias congênitas é essencial para reduzir a mortalidade infantil.
"O país já avançou no combate a muitas doenças, mas é preciso tratar as congênitas. E, entre elas, as cardiopatias são as mais importantes por serem muito prevalentes e as que mais levam à morte e que mais alteram a vida da criança", afirma o médico.
Segundo ele, entre 70% e 80% dos casos são detectados em diagnósticos precoces, no pré-natal, o que permite que os pais se planejem e busquem serviços com a estrutura necessária.
"Na maioria das vezes não há necessidade de antecipar o parto. Muitas mulheres levam a gestação a termo, e o parto pode até ser natural", diz Guilhen. "Mas algumas crianças precisam ser operadas já na primeira semana de vida. Outras podem esperar até três ou seis meses para operar."
Tudo depende da gravidade. A condição de Maria Guilhermina, filha do ator Juliano Cazarré, é uma mais sérias e raras dentro da Anomalia de Ebstein, o que a levou à cirurgia no primeiro dia de vida. A alteração afeta a maior das quatro válvulas do coração, a válvula tricúspide.
Guilhen reforça que o acesso ao diagnóstico e o aumento de leitos dedicados às cardiopatias congênitas no Brasil fariam um combate mais efetivo a essas doenças que acometem os bebês e atormentam mães e pais:
"Na maioria, são crianças que, se tiverem acesso a um diagnóstico precoce, têm grandes chances de terem uma vida normal ou muito próxima ao normal.
No SUS, o exame de ecocardiograma fetal não é obrigatório no pré-natal, mas pode ser pedido caso o médico desconfie de alguma alteração. Outra estratégia para detecção precoce, diz o Ministério da Saúde, é o teste do coraçãozinho, exame realizado entre 24 horas e 48 horas de vida que objetiva investigar o nível de oxigenação do sangue do bebê. Ainda segundo a pasta, a rede conta com 68 estabelecimentos habilitados em serviços de alta complexidade para cirurgia cardíaca pediátrica."
Entre no canal do Último Segundo no Telegram e veja as principais notícias do dia no Brasil e no Mundo. Siga também o perfil geral do Portal iG.