Um grande desafio com o avanço das redes sociais é entender a dimensão dos impactos negativos de determinados conteúdos entre os jovens, como na influência de comportamentos e hábitos que podem ser nocivos para a saúde .
Uma dessas práticas, embora retratada em diversas publicações como algo prazeroso e divertido, é o ato de fumar. Agora, o maior estudo já conduzido sobre o tema comprovou que a exposição a postagens relacionadas a cigarros, vapes e outros modelos nas mídias mais que dobra as chances de adolescentes adotarem o hábito, além de aumentar a propensão em aderir à prática entre aqueles que nunca experimentaram.
O trabalho foi publicado ontem na revista científica JAMA Pediatrics por pesquisadores da Universidade do Sul da Califórnia (USC), nos Estados Unidos, e da Sociedade Americana do Câncer. Os responsáveis analisaram 29 estudos sobre o tema com 139.625 participantes de diversos países. Foram considerados ainda diferentes tipos de conteúdo e plataformas sociais, sendo a primeira pesquisa em larga escala a relacionar o tabagismo com as mídias sociais.
"Nós lançamos uma ampla rede na literatura sobre tabaco e mídia social e sintetizamos tudo em uma única associação resumindo a relação entre exposição à mídia social e o uso de tabaco. O que descobrimos é que essas associações são robustas e têm implicações de saúde pública a nível de população", diz o autor do estudo Scott Donaldson, pesquisador sênior no Departamento de População e Ciências de Saúde Pública da Escola de Medicina Keck, da USC, em comunicado.
A faixa etária avaliada foi composta majoritariamente por adolescentes, respondendo por 72% do total dos participantes. Comparado àqueles que relataram não ser expostos a conteúdos sobre tabaco nas redes, os que tinham contato com as postagens foram até duas vezes mais propensos a serem consumidores do produto, a relatarem um uso nos últimos 30 dias ou a acreditarem ser suscetíveis ao hábito no futuro caso nunca tivessem experimentado.
"A proliferação das mídias sociais ofereceu às empresas de tabaco novas maneiras de promover seus produtos, especialmente para adolescentes e adultos jovens. Nossa esperança é que os formuladores de políticas públicas e outras partes interessadas possam usar nosso estudo como base para tomada de decisões e ações", defende Jon-Patrick Allem, também autor do estudo e professor da USC.
Os estudos analisados foram conduzidos com participantes dos Estados Unidos, Índia, Austrália e Indonésia. Os conteúdos classificados como relacionados a tabaco incluíram postagens de perfis pessoais e de empresas e publicidades.
Os itens que apareciam nas publicações variaram entre cigarros convencionais, modelos eletrônicos – conhecidos como vapes –, narguilés, charutos e tabaco artesanal. As redes analisadas foram Facebook, Instagram, Twitter, YouTube, Snapchat, Pinterest e Tumblr.
Para avaliar a exposição ao conteúdo, foram considerados tanto quem realizava ações como curtidas, compartilhamentos, comentários e busca pelo material online, como também aqueles que apenas assistiram às postagens.
"De particular importância é o fato de que as pessoas que nunca tinham usado tabaco eram mais suscetíveis. Isso sugere que a exposição ao conteúdo relacionado ao tabaco pode despertar interesse e potencialmente levar os não usuários a fazer a transição para o uso”, complementa Allem.
Essa maior propensão pode ser observada justamente pelos números crescentes de uso dos cigarros eletrônicos – mais populares entre os mais jovens – nos últimos anos.
Uma pesquisa recente patrocinada pelo Ministério da Saúde do Reino Unido com quase três mil adolescentes de 11 a 17 anos constatou que o uso neste público dos vapes cresceu de 4%, em 2013, para 7% nos últimos dois anos.
Além disso, o percentual de jovens que já experimentaram ao menos uma vez o produto passou de 14% para 16% no mesmo período. No Brasil, um levantamento da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), conduzido neste ano como parte do Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia (Covitel), com mais de nove mil jovens de 18 a 24 anos, mostrou que um a cada cinco já utilizaram o produto.
Para os autores do novo estudo publicado na JAMA, existem três medidas que poderiam ser tomadas para reduzir o impacto dos conteúdos online sobre o tabagismo nos mais jovens. O primeiro é relativo à educação, como uma forma de resposta ao ideal glamourizado ao qual eles são expostos nas redes.
Além disso, eles defendem que as próprias plataformas poderiam implementar medidas para alertar sobre os perigos do produto, como recados informativos nas postagens que abordam cigarros. Em relação ao poder público, as agências reguladoras poderiam implementar regras mais rígidas sobre a publicidade que as empresas de tabaco podem veicular nas redes, defendem os autores.
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