Nas últimas décadas, o tratamento do câncer acumulou diversos avanços com o aprimoramento de técnicas como a quimioterapia e a radioterapia, além de estratégias novas, como a medicina personalizada e a imunoterapia – a última rendendo o prêmio Nobel aos seus criadores em 2018. No entanto, além de novas formas para lidar com a doença, diversos cientistas buscam maneiras mais eficazes de prevenir o seu desenvolvimento em primeiro lugar. Agora, uma equipe internacional composta por especialistas de sete centros de pesquisa – entre eles a Universidade de Oxford, no Reino Unido; a Universidade de Paris, na França, e a Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha – acredita que a resposta pode estar na genética de elefantes.
A ideia de buscar nos grandes animais a chave para a prevenção do câncer parte de um conceito chamado de Paradoxo de Peto. Isso porque as células do corpo se multiplicam durante a vida, com células novas dando lugar a antigas. No entanto, podem ocorrer erros nesse processo, envolvendo mutações, o que provoca a proliferação de células defeituosas, que caracteriza o câncer.
Quanto maior o organismo e maior a sua expectativa de vida, em tese são mais possibilidades para que essas anomalias ocorram, uma vez que é maior o número de células e o tempo durante o qual elas se multiplicam. Porém, na prática, animais maiores apresentam incidência menor de quadros de câncer, o que intrigava especialistas que criaram o termo Paradoxo de Peto para se referir ao fenômeno.
Em 2016, um estudo publicado na revista científica JAMA por pesquisadores da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, começou a desvendar esse mistério. Os cientistas analisaram uma série de mamíferos com taxas de mortalidade diferentes para o câncer. Enquanto a dos seres humanos é de 11% a 25%, por exemplo, a dos elefantes é uma das menores: apenas 4,8%.
Buscando alterações na genética da espécie que explicasse a resistência aos tumores nos animais, que são um dos maiores mamíferos do planeta, eles descobriram que os elefantes carregam 20 cópias de um gene chamado TP53 – enquanto os demais mamíferos, incluindo os humanos, têm apenas uma única cópia.
O TP53 tem um papel importante em regular os mecanismos de reparação do DNA na célula e em suprimir o crescimento descontrolado das unidades danificadas. Quando não há danos no código genético, o TP53 é inativado por um outro gene, chamado de MDM2. Essa interação entre os dois genes é essencial para a divisão e replicação saudável das células. É o que leva à ativação do TP53 para reparação de células com erros e, quando isso não é possível, à sua destruição – o que impede a multiplicação e a formação do câncer.
Porém, nos elefantes, além do número maior de cópias do TP53, a equipe internacional de pesquisadores descobriu que essa interação com o MDM2 ocorre de maneiras também discrepantes, e benéficas para os animais.
Em novo estudo, publicado na revista científica Molecular Biology and Evolution, eles utilizaram análises bioquímicas e simulações computacionais e identificaram que as diferenças nas ligações entre os genes levam parte dos TP53 a escaparem da ação do MDM2 – e não serem inativados. Com isso, os elefantes ficam mais sensíveis a perceber as células cancerígenas e promover uma rápida resposta a elas.
“Esse é um desenvolvimento empolgante para nossa compreensão de como o TP53 contribui para prevenir o desenvolvimento do câncer. Em humanos, o mesmo gene é responsável por decidir se as células devem parar de se proliferar ou entrar em apoptose (morte celular). Mas, como o TP53 toma essa decisão tem sido difícil de elucidar. A existência de várias ligações de TP53 em elefantes com diferentes capacidades de interagir com o MDM2 oferece uma nova abordagem animadora para lançar uma nova luz sobre a atividade supressora de tumor do gene”, afirma um dos autores do estudo, Robin Fåhraeus, pesquisador do Instituto de Genética Molecular da Universidade de Paris, na França, em comunicado.
Agora, eles pretendem avançar no entendimento sobre o mecanismo de ativação do gene com a perspectiva de, posteriormente, aplicar esse conhecimento a novos tratamentos capazes de prevenir o desenvolvimento do câncer em humanos. Conceitualmente, as pesquisas com o gene TP53 oferecem uma “importância em potencial alta para aplicações biomédicas”, diz o também autor do estudo, Konstantinos Karakostis, pesquisador do Instituto de Biotecnologia e de Biomedicina da Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha.
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