Câncer é o principal problema de saúde pública no mundo
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Câncer é o principal problema de saúde pública no mundo

Alguns pacientes da oncologista Maria Ignez Braghiroli, da Rede D'or São Luiz e do do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, estranham o volume de perguntas feito pela especialista logo que recebem o diagnóstico de câncer.

"Eu começo a consulta perguntando sobre a vida e as preferências da pessoa. Parece que sou enxerida, mas é para levar os gostos do paciente em consideração na hora de sugerir um tratamento", explica.

"Por exemplo, há medicamentos que impactam na sensibilidade dos dedos. Uma pessoa que toca piano ficaria muito frustrada com esse efeito, então posso não escolher essa alternativa de tratamento em primeiro lugar."

A escuta interessada — sem abrir mão dos avanços mais importantes da ciência — é uma ferramenta potente e cada vez mais usada por especialistas em saúde para promover o bem-estar de quem teve um diagnóstico de câncer: situação que atinge 620 mil novos brasileiros a cada ano, de acordo com estimativas do Ministério da Saúde.

A chave para o sucesso de tratamento, dizem especialistas, é conhecer a pessoa que necessita de cuidados individualmente e oferecer mecanismos para que sintam-se melhores ao longo de um tratamento bastante intenso. Trata-se de um movimento global.

Na Universidade College London, no Reino Unido, há grupos de escrita criativa e origami para pacientes da ala de oncologia como forma de desenvolvimento de novos hobbies. Na internet, comunidades de diversas partes do mundo falam de beleza e reforço da autoestima de pacientes passando por cuidados de saúde de tumores, na forma de redes de apoio.

Dentro desse raciocínio, recentemente a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) lançou um consenso em relação à importância da espiritualidade do paciente ao longo do tratamento. O documento estima que um terço gostaria de ter conversas sobre o tema e enxerga essa vertente como uma busca de conforto e fonte de resiliência.

"Hoje é bastante comum sugerir exercícios físicos e ioga como ferramenta de manutenção do bem-estar. Assim como o cuidado com a espiritualidade. Observa-se a pessoa em sua totalidade, o que traz benefícios — diz a Clarissa Mathias, oncologista da Oncoclínicas.

Há, para além de toda relação interpessoal nos consultórios, importantes avanços científicos que miram a melhora do bem-estar com o paciente. Uma dessas ferramentas é a touca de resfriamento que, em alguns casos, ajuda a minimizar a queda de cabelo causada pela quimioterapia.

Artur Katz, oncologista do Hospital Sírio-Libanês, explica que em diversos tratamentos com quimioterapia é possível fazer um bom balanço entre o bem-estar e o combate à doença.

Ou seja, dá para encontrar qualidade de vida mesmo ao longo do tratamento. Ele explica que, de forma geral, os efeitos colaterais da químio são olhados com profunda atenção pelos especialistas, que buscam alternativas para aliviar o mal-estar.

"Temos hoje um arsenal de medidas farmacológicas e não-farmacológicas para atenuar a experiência do paciente e torná-la mais segura e menos desgastante. Digo a eles que não é para ser uma penitência que vão pagar até a cura. É possível oferecer alternativas para amenizar diversos efeitos incômodos", afirma.

Novas alternativas

Enquanto os consultórios médicos trabalham ativamente para oferecer estratégias cada vez mais personalizadas, os estudos clínicos também miram na opinião de quem, eventualmente, receberá a droga — para além dos resultados de eficácia e segurança. Além, é claro, de buscar medicamentos com efeitos colaterais menos severos.

"Antigamente, pensava-se somente no desfecho relacionado à eficácia. Hoje em dia o desfecho (o resultado) está ligado à qualidade de vida de quem passa pelo estudo. Esse tipo de relato tem muito interesse e é olhado com atenção por agências reguladoras e fontes pagadoras de um fármaco", explica Gabriela Prior, diretora médica da Daiichi Sankyo, farmacêutica japonesa que trouxe em parceria com a AstraZeneca, um novo fármaco para câncer de mama no Brasil. Trata-se do chamado anticorpo conjugado com medicamento.

Prior explica que, por tratar-se de uma estratégia de saúde que atinge o tumor de maneira específica (diferente da químio, que é mais generalista), os efeitos adversos, em alguma medida, são controlados. Embora, é importante dizer, todo tratamento tenha efeitos relacionados.

Outra alternativa possível e que tem observado bons resultados é a imunoterapia, uma opção de desenvolvimento do laboratório MSD . A diretora médica da empresa, Márcia Abadi, explica que o bem-estar, neste caso, está relacionado à redução da toxicidade do tratamento.

"A imunoterapia permite que o corpo reconheça e ataque (o câncer), não há um veneno de fora agindo de maneira descontrolada. Isso diminui os efeitos adversos. Os pacientes, desse modo, podem seguir suas jornadas pessoais e ser produtivos."

Também há grande expectativa no avanço da Car-T Cells, uma estratégia de tratamento que permite “turbinar” células de um indivíduo geneticamente e inseri-las no corpo novamente. Altamente promissor, o mecanismo causa efeitos colaterais num curto período de tempo, de 10 a 12 dias — com reações inflamatórias, febre, queda de pressão, o que pode requerer que a pessoa passe um período na UTI, mas por pouco tempo.

"A busca é cada vez mais reduzir os efeitos adversos das drogas e tratamentos. É da natureza da medicina, buscar restituir a pessoa de suas funções habituais", afirma Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, um dos desenvolvedores da nova estratégia de saúde.

Fernando Maluf, oncologista do Instituto Vencer o Câncer, diz que os avanços científicos em conjunto com especialistas mais preparados e focados no bem-estar individual permitem uma maior adesão ao tratamento.

"O paciente hoje é parte central do processo. Não é mais quem vai ao centro cirúrgico e toma remédio no braço. Ele sabe que se aderir ao tratamento com rigor, ao lado de atividade física, suas crenças e atividades que gosta, há maior chance de sucesso."

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