Doença do neurônio motor: novo medicamento para ELA retarda progressão da doença e melhora função motora
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Doença do neurônio motor: novo medicamento para ELA retarda progressão da doença e melhora função motora

Os resultados de um ensaio clínico de fase 3, última etapa dos testes que avalia eficácia de medicamentos , mostraram que um novo remédio desenvolvido para tratamento de pacientes com uma forma genética da esclerose lateral amiotrófica (ELA) reduziu os sinais moleculares da doença e a neurodegeneração provocados pelo diagnóstico.

Após 12 meses, o fármaco tofersen, da farmacêutica americana Biogen, também promoveu uma melhora surpreendente da função motora e pulmonar dos participantes, no que foi considerado um ponto de virada no tratamento da doença pelos pesquisadores.

“Realizei mais de 25 ensaios clínicos para ELA e o ensaio com o tofersen é o primeiro em que os pacientes relataram uma melhora em sua função motora. Nunca antes ouvi pacientes dizerem 'estou fazendo coisas hoje que não conseguia fazer alguns meses atrás, andando pela casa sem minhas bengalas, subindo os degraus do jardim, escrevendo cartões de Natal'. Para mim, este é um marco importante no tratamento”, comemora a professora do Instituto de Neurociência Translacional da Universidade de Sheffield, no Reino Unido, uma das autoras do estudo, Dame Pamela Shaw, em comunicado.

Os resultados dos testes clínicos, conduzidos por uma equipe internacional de cientistas, foram publicados nesta quinta-feira na revista científica New England Journal of Medicine. O medicamento é direcionado a uma versão específica da ELA, também conhecida como doença do neurônio motor, causada por um defeito no gene SOD1.

Embora não seja a forma mais prevalente, um estudo publicado no periódico Neuroepidemiology estima que foram cerca de três mil casos do diagnóstico no mundo em 2020.

Além disso, não há atualmente um tratamento direcionado à versão genética da ELA, uma doença cujos pacientes têm uma expectativa de vida de apenas três a cinco anos após o início dos sintomas. Segundo o Ministério da Saúde brasileiro, apenas cerca de 25% das pessoas sobrevivem além desse período.

Nos Estados Unidos, o pedido de aprovação do torfersen já foi recebido, em julho deste ano, pela agência reguladora Food and Drug Administration (FDA), órgão similar à Anvisa no Brasil. Segundo a Biogen, a expectativa é de que um possível aval seja concedido até o início do ano que vem.

“Esta é a primeira vez que me envolvo em um ensaio clínico para pessoas que vivem com doença do neurônio motor em que vi benefícios reais para os participantes. Embora o tofersen seja um tratamento para apenas 2% das pessoas que vivem com a doença, aprendemos muito ao fazer o ensaio clínico, o que nos ajudará a fazer testes mais inteligentes e rápidos no futuro. A abordagem usada, de reduzir proteínas prejudiciais no diagnóstico, provavelmente terá aplicações mais amplas para outros tipos mais comuns de ELA”, diz o professor de neurologia translacional da Universidade of Sheffield, no Reino Unido, também autor do estudo, Chris McDermott, em comunicado.

Um dos participantes do estudo, Les Wood, de 68 anos, recebeu o diagnóstico há 10 anos e foi um dos primeiros a ser incluído nos testes clínicos do fármaco, em 2016. Depois de um ano sendo submetido ao tratamento, ele, que necessitava de apoios ou cadeiras de roda para se locomover, conta ao jornal britânico The Guardian que o medicamento de fato melhorou suas funções motoras.

"Eu realmente podia andar pela casa sem os apoios, consegui parar alguns dos meus analgésicos e me senti muito melhor comigo mesmo. A doença do neurônio motor é uma doença progressiva, então, embora meus sintomas tenham continuado a piorar, eu não ficaria sem a droga e a diferença que eu sei que ela fez na minha qualidade de vida", relata o voluntário.

Em 2020, quando os resultados das primeiras fases dos estudos começaram a ser publicados, e Wood estava há quatro anos no tratamento, ele já havia celebrado a melhora no dia a dia. Embora a progressão da doença não seja completamente interrompida, o torfesen conseguiu diminuir de forma significativa o ritmo da neurodegeneração.

“Sou um dos três irmãos que herdaram o gene SOD1 e estava na casa dos 50 anos quando comecei a notar os sintomas. Minhas irmãs haviam desenvolvido a doença mais cedo e eu vi a rapidez com que a condição delas se deterioraram. Portanto, uma pesquisa como essa que está acontecendo agora é muito importante”, destacou em comunicado da Universidade de Sheffield na época.

Atuação do medicamento e testes clínicos

A ELA é um distúrbio que afeta os neurônios motores no sistema nervoso central – cérebro e medula espinhal. As células são as responsáveis por conectarem o sistema com os músculos, permitindo a movimentação voluntária do corpo. No entanto, pacientes com a doença tem uma degeneração nesse mecanismo, que leva eventualmente a um quadro de paralisia motora irreversível. Um dos casos mais famosos foi o do físico britânico Stephen Hawking, que morreu em 2018 por causa da esclerose.

As causas que levam à degeneração característica da doença não são bem compreendidas. Porém, em cerca de 10% dos diagnósticos se sabe que há um fator genético envolvido. Parte desses casos são justamente causados pelo defeito no gene SOD1, alvo do novo medicamento. Ainda não há cura.

Os testes com o tofersen foram realizados em 32 centros de pesquisa, em 10 países, com 108 participantes. Durante seis meses, dois terços, 72 pessoas, receberam o medicamento, e os demais, 36 pessoas, um placebo para comparação. Os resultados desse período inicial indicaram uma redução nos níveis do gene defeituoso e da proteína que ele expressa, sugerindo que o fármaco consegue atingir com sucesso o alvo terapêutico e reduz a perda de neurônios motores.

Porém, como não haviam sido observados benefícios clínicos nos sintomas de forma clara, o estudo foi estendido para cerca de 13 meses, quando foram enfim relatadas as mudanças significativas na função motora e pulmonar dos pacientes. Os cientistas decidiram então oferecer uma extensão aos participantes para um período ainda maior, de quatro anos e meio, em que todos os voluntários que optaram por continuar, tanto do grupo placebo como do que recebeu o medicamento, passaram a ser tratados com o tofersen – um total de 95 pessoas.

“O que descobrimos é que podemos reduzir ou retardar o dano biológico, mas leva mais tempo para os neurônios motores se curarem e regenerarem suas conexões com os músculos. Assim, o sistema motor precisa de tempo para se curar antes de vermos uma mudança física e clínica”, explica a pesquisadora Dame Pamela Shaw.

O professor de neurologia da Universidade de Washington, nos EUA, Robert Bucelli, co-diretor do centro para ELA da universidade, liderou a parte dos ensaios clínicos realizados no local, que contaram com 10 participantes. Ele também celebra os resultados como um marco no tratamento da doença.

"A maioria dos participantes em andamento em nosso centro recuperou e/ou manteve várias atividades da vida diária, e nossos exames e medições de força corroboram seu histórico de melhora, estabilização ou ambos. Como clínico neuromuscular, o privilégio de testemunhar isso em primeira mão mudou a maneira como penso sobre esse e outros distúrbios neurodegenerativos devastadores relacionados”, ressalta o pesquisador.

Também responsável pelo estudo, professor da universidade e co-diretor do centro para ELA, Timothy Miller acredita que agora é possível que o tofersen abra caminho para novos tratamentos de outras formas da esclerose mais prevalentes.

"Sempre acreditei que a ELA é uma doença tratável. Essa é a base de toda a minha carreira, a suposição de que as doenças neurodegenerativas, incluindo a ELA, não precisam ser fatais. Se você observar os momentos posteriores deste estudo, eles mostram uma desaceleração substancial da neurodegeneração em pessoas com a ELA causada pela mutação no SOD1. Acredito que esta é uma notícia promissora para pessoas com qualquer forma de ELA. Isso me diz que, se encontrarmos a terapia certa, podemos mudar o curso da doença. Só precisamos encontrar a terapia certa”, diz o especialista.

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