Leonardo Goldberg
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Por Leonardo Goldberg

Da medicina à sociologia, diferentes campos de pesquisa apontam de forma concomitante um fenômeno contemporâneo: a redução da atividade sexual, sobretudo nos jovens adultos. Vários fatores costumam ser associados ao fenômeno, que chega a ser chamado de apagão sexual da geração Z, categoria que se refere aos jovens nascidos após 1995, em grande parte nativos digitais.

Alguns pesquisadores, como a psicóloga norte-americana Jean Twenge, uma celebridade quando o assunto é tendências de jovens adultos e efeitos deletérios do mundo digital, assumem que o apagão sexual seria efeito direto, entre outros, do tempo gasto pelos jovens no campo digital, sobretudo nas redes sociais. Há também formas digitais de exercer a sexualidade como o sexting - trocar textos sexuais com parceiros ou inventar um enredo compartilhado de uma fantasia - e o envio e recebimento de fotos de nudez. Geralmente as pesquisas que relacionam a contemporaneidade com a diminuição do sexo são descritivas e estabelecem uma causalidade direta entre a oferta de novas tecnologias e o fenômeno como se um produzisse o outro. Parece-me que isso é um problema metodológico dos mais graves.

Em contato com a população mais jovem, me deparo com a ideia de que o sexo é evitado justamente porque seria a cena mais desconfortável com a qual o sujeito teria que lidar: a pessoa pode brochar; lidar com algum odor que lhe caia mal; o parceiro ou a parceira pode decidir dormir em sua casa sem que haja intimidade; um dos dois pode ser acusado de irresponsabilidade afetiva e até minúcias do encontro podem ser escancarados no grupo dos amigos e nas redes sociais. Para reduzir tal desconforto, muitos recorrem aos aplicativos de sexo no qual podem escolher uma cena praticamente pronta e simplesmente convocar o parceiro para encená-la. No Grindr, por exemplo, o usuário pode escolher sua tribo, sua subtribo, qual posição e até o pedaço do corpo que mais te interessa. Tal plataforma permite ao usuário ter a sensação de que está no controle absoluto de sua fantasia sexual. No 3F, os parceiros podem encontrar um terceiro, quarto ou quinto parceiro e cada um encenar uma posição específica no fetiche daqueles que o propuseram. A questão primordial sobre a oferta de sexo on demand não é exatamente uma questão que deve ser respondida, mas reformulada. Na ponta mais intensificada de tal fenômeno estão as pessoas que supostamente desistiram de tentar uma relação sexual.

Porém, creio que o que costuma servir de suporte para tal desistência não é, como matérias sensacionalistas sobre o tema costumam afirmar, causado pelas plataformas de encontros sexuais ou mesmo pelo mundo digital. Penso que há uma dimensão exacerbada de evitação de risco que cria um campo fértil para a oferta de gadgets que prometam encontros com garantia e até de correspondência entre a fantasia sexual e seus suportes no mundo vivo. Ilustrando a problemática com uma trend do momento: há uma proliferação de vídeos virais que fazem piada sobre o remédio tadalafila: geralmente um homem novo, que posta uma dancinha e escreve algo como “distraindo a garota enquanto o tadalafila não faz efeito”. Cientes de que o fármaco demora 30 minutos mais ou menos para agir, a brincadeira desvela uma espécie de sintoma. Provavelmente o uso do fármaco tem mais a ver com o risco de falhar, da impotência de não manter uma ereção, que efetivamente uma dificuldade fisiológica dos jovens adultos.

O que o mundo técnico infla é a ideia de que se conseguirmos replicar nossa cena sexual mais excitante, isso garantiria uma boa relação sexual. Inibição? Sexo químico (chemsex) para desinibir. Fetiche? Aplicativos especializados. Possibilidade de falhar? Tadalafila de garantia. A parceira ou o parceiro desconhecido vai dormir em casa? Melhor a punheta. Gastar dinheiro? Pornografia.

Claro, cada um desses objetos pode ser superinteressante e efetivamente possibilitar que o sujeito exerça sua erótica. Mas o tiro que sai pela culatra no excesso de garantia é que aquilo que mobiliza a erótica e, portanto, causa o desejo, não está no cálculo, mas nas pequenas frestas, nos pontos mais opacos dos encontros e dos corpos.

Lembro de um amigo que me confidenciou uma história muito curiosa: disse que saiu para dançar com a menina que mais desejava, que possuía o corpo, seios, bunda, pernas perfeitas e que era razão de seu desejo havia muito tempo. Chegou na hora H, em seu apartamento, e brochou completamente, “da cabeça aos pés”. Desolada, a menina tirou seus sapatos de festa e colocou os pés na pia, para lavá-los antes de ir dormir. Pediu ajuda ao garoto que a ajudou e passou sabonete em seus pés sujos. De repente, o sujeito ficou absolutamente surpreso com uma ereção... “era como se eu tivesse tomado Viagra... será que sou um chegado em podolatria?”. Essa cena é praticamente o paradigma do desejo: ele aparece onde não é convocado e desaparece onde é excessivamente esquadrinhado.

Leonardo Goldberg é psicanalista. Doutor em Psicologia pela USP (Universidade de São Paulo). Autor, entre outros, de “O sujeito na era digital” (Almedina, 2021).

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