Por Samir W. Rahme, Médico e Maestro da Orquestra do Limiar
Por mais que pareçam ser áreas completamente distintas, música e saúde estão ligadas, não só em relação a nossas condições mentais e emocionais, mas também fisiológicas. Um exemplo disso pode ser visto ao compararmos uma orquestra, composta por um conjunto de instrumentos de sopro, de cordas e de percussão, e a constituição humana.
Nós, seres humanos, somos constituídos de um corpo que tem três partes anatômicas bem distintas: cabeça, tronco e membros. A cabeça está mais ligada à percepção do mundo, uma vez que os principais sentidos se encontram ali: visão, olfato, audição, paladar… e isso nos remete a uma qualidade de interpretação e conhecimento do mundo. Já no tronco, temos dois órgãos importantes que nos ajudam a manter a vida, através da circulação e respiração. E nos membros, local onde somos mais inconscientes, temos os órgãos do metabolismo e maior parte da musculatura, sendo daí que resultam os mais diversos movimentos, internos e externos. Em suma, podemos dizer que a cabeça se liga mais com o pensar, o tronco com o sentir e o abdome, com a vontade.
Temos então três qualidades específicas: PENSAR, SENTIR E QUERER. Com isso, é possível fazer um paralelo ilustrativo entre nossa constituição corporal e a orquestra.
Os sopros, sejam eles de metal ou madeira, são instrumentos melódicos, ou seja, transmitem sempre uma “ideia musical” e conseguem, pela sua forma, ter grande alcance sonoro. Os instrumentos de percussão ajudam no ritmo – ou seja, no “caminhar” da música – com bastante precisão e normalmente sempre repetem um padrão sonoro rítmico. As cordas estão justamente no meio, fazendo o equilíbrio, ou seja, a harmonia, o “colchão”, por onde a música passeia. Nesse sentido, podemos dizer que os sopros representam mais o nosso pensar; a percussão, a nossa vontade e querer; e as cordas, o nosso sentir. Não é à toa que nos instrumentos de cordas existe também uma caixa de ressonância, em que o friccionar da corda é ampliado e reverbera, com um som quente e acolhedor.
No corpo humano, principalmente nos dias de hoje, percebemos um exagero no uso de nosso sistema neurossensorial, onde muitos trabalham diante de uma tela por mais de 8 a 10 horas, levando a quadros de stress e mesmo a um burnout. Por outro lado, processos excessivos de movimento podem conduzir a quadros de inflamação e fraturas. Ou seja, nos polos, temos sempre as mais diversas possibilidades de enfermidades: doenças esclerosantes via polo superior e doenças inflamatórias no polo inferior, sendo que no tronco, temos coração e pulmões, cuja função é harmonizadora, que visa anular e compensar os excessos.
Porém, essa relação não existe somente com orquestras completas. Existem grupos voltados à chamada música de câmara, menores e que podem ser constituídos somente de um conjunto específico de instrumentos. É o caso da Orquestra do Limiar, composta unicamente por instrumentos de cordas (violinos, violas, violoncelos e contrabaixo), e que participa do “Música nos Hospitais”, iniciativa da Associação Paulista de Medicina (APM) que ocorre há 20 anos, com objetivo de levar música orquestrada e alento para pacientes e frequentadores de hospitais do município de São Paulo, melhorando o dia dessas pessoas.
As peças escolhidas para os concertos nos hospitais acentuam essa qualidade harmonizadora, quente, leve e extremamente sensível dos instrumentos de cordas. Durante o tempo em que a orquestra está tocando, obras escolhidas a dedo transmitem essa beleza musical e invadem a alma dos pacientes, acompanhantes, corpo clínico, funcionários e demais presentes. São todos atingidos por um “incenso musical” que acendemos no início e apagamos no final das apresentações, com a certeza de termos preenchido as almas presentes com o melhor do que existe no repertório para essa formação musical.
É um grande prazer ao final dos concertos ver a face sorridente dos presentes, perguntando quando iremos voltar. Missão cumprida! A música é a arte e a medicina da alma. A alma é onde a vida acontece. A música traz luz, forma, alegria e leveza para a alma poder suportar o dia a dia, tanto nos hospitais como no cotidiano.
A nova temporada do “Música nos Hospitais” acontece a partir do dia 16 de outubro, com um concerto de abertura no Hospital das Clínicas, e vai até abril de 2025. A realização é da APM, com projeto aprovado pela Lei Federal de Incentivo à Cultura e com a parceria da APSEN.