
O estado de São Paulo já registra mais de 337 mil casos confirmados de dengue em 2025, segundo os dados do Painel de Arboviroses do Núcleo de Informações Estratégicas de Saúde (NIES). O número representa um salto de 14% nos últimos cinco dias - no domingo (23), o infográfico apontava 296 mil diagnósticos.
Outros índices também subiram: os óbitos confirmados foram de 273 para 308; as mortes em investigação, de 465 para 487; e os casos prováveis saltaram de 403 mil para 448 mil.
Embora os números atuais sejam menores do que os registrados no mesmo período de 2024, o combate à dengue segue um desafio para o governo paulista. Em fevereiro deste ano, o estado decretou emergência de saúde pública, quando a incidência da doença era de 300 casos para cada 100 mil habitantes. Menos de dois meses depois, a taxa mais que dobrou, atingindo 757 casos a cada 100 mil habitantes.
O aumento acelerado dos casos resulta de uma combinação de fatores, como as condições climáticas favoráveis à proliferação do mosquito e a circulação do vírus. É o que explica o infectologista Alexandre Naime Barbosa, médico e professor na Universidade Estadual Paulista (UNESP) e coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, em entrevista ao iG.
"Apesar dos esforços de combate, o ciclo de proliferação do Aedes aegypti é muito rápido e, em momentos de grande volume de chuvas, o controle torna-se ainda mais difícil. Também enfrentamos desafios com a resistência do mosquito a inseticidas, falhas em ações de prevenção em alguns municípios, e uma participação ainda insuficiente da população no controle dos criadouros", diz.

Dr. Alexandre Naime, médico e professor na UNESP e coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia
Segundo o infectologista, mesmo que o número de casos apresente uma desaceleração em relação ao ano passado, "ainda há possibilidade de novas altas nos registros, especialmente se houver mudanças nas variáveis ambientais ou aumento da circulação de um novo sorotipo, o que pode elevar o risco de formas graves da doença".
A gestão estadual considera essa possibilidade, conforme explica Nathalia Soares Franceschi, assessora técnica em saúde pública do Centro de Vigilância Epidemiológica, em entrevista ao iG.
"O governo está trabalhando com o momento de redução do número de casos, mas também monitorando outras arboviroses circulando no estado, como o chikungunya, transmitido pelo mesmo vetor. Não podemos baixar a guarda, pois, apesar da queda nos casos de dengue, a situação ainda é instável", pontua.
Os desafios de SP no combate à dengue
Para Nathalia, o controle das arboviroses, especialmente a dengue, não é um desafio atual, e sim um obstáculo que perdura desde a introdução do vírus no Brasil.
"O maior desafio sempre foi o controle do vetor, uma vez que a infecção do mosquito é estabelecida, o controle da doença passa a ser uma questão de gestão e ação nos municípios", afirma.
Ela também ressalta que o combate à dengue extrapola o setor saúde e abrange múltiplos fatores. "Não envolve só a saúde pública, mas também outros setores, como a Educação, Defesa Civil e Infraestrutura, além da sociedade civil, que tem um papel fundamental", completa.
Dr. Naime, por sua vez, também destaca a responsabilidade dos municípios sobre o controle do vetor. "Mas é importante que haja uma integração eficaz entre os diversos níveis de governo para garantir que as ações cheguem de forma eficiente à população", explica.
Ele ainda aponta que, apesar do Brasil investir consideravelmente em pesquisas para combater a dengue, como, por exemplo, o uso de técnicas inovadoras como a bactéria Wolbachia e os mosquitos transgênicos, a aplicação dessas soluções em larga escala "ainda é limitada em muitos contextos".
"É importante lembrar que a dengue vai além da questão sanitária. Ela tem um forte componente social", diz Dr. Naime, que pontua que as áreas com menor infraestrutura e saneamento básico são mais vulneráveis à proliferação do mosquito, o que torna o papel da sociedade civil ainda mais relevante na luta contra a doença.
"Sem o envolvimento direto das pessoas na eliminação dos criadouros do mosquito dentro das residências e nos espaços comunitários, qualquer estratégia perde força. Campanhas educativas e ações em locais de grande circulação ajudam a manter o tema em evidência e reforçam a responsabilidade coletiva", diz o especialista.
Outra preocupação das autoridades é a baixa adesão à vacina, mesmo um ano após a incorporação do imunizante no Sistema Único de Saúde (SUS). Em janeiro deste ano, a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) alertou para o aumento no número de casos em detrimento do baixo número de pessoas vacinadas, especialmente no Sudeste.
No Brasil, duas vacinas contra a dengue estão aprovadas pela Anvisa: a Qdenga, disponível no SUS para pessoas de 4 a 60 anos, independentemente de histórico de dengue, e a Dengvaxia, oferecida em clínicas particulares, indicada apenas para quem já teve a doença, entre 6 e 45 anos. Ambas protegem contra os quatro sorotipos do vírus e utilizam a técnica de DNA recombinante.
Governo está 'na direção certa', mas ainda há erros relevantes
Além do decreto de emergência, o governo paulista tomou uma série de medidas para o enfrentamento da dengue. Em nota enviada à reportagem, a Secretaria Estadual da Saúde listou as principais delas:
- Repasse de R$ 228 milhões aos municípios para o enfrentamento da dengue;
- Aumento do financiamento para internações de pacientes com a doença;
- Lançamento do Plano de Contingência das Arboviroses Urbanas 2025/2026;
- Aquisição de equipamentos de nebulização portátil e ambiental, com 730 máquinas portáteis e 55 pesadas;
- Reforço no estoque de medicamentos essenciais, como sais de reidratação oral e soro fisiológico;
- Força-tarefa estadual nas cidades com maior incidência de dengue, com ações de prevenção e controle.
Para o Dr. Naime, as medidas adotadas pelo governo de São Paulo são passos importantes e vão "na direção certa". No entanto, ainda existem problemas relevantes, como a integração entre os diferentes níveis de gestão pública.
"Essa articulação é essencial para que as ações de combate ao mosquito e de vigilância epidemiológica sejam mais coordenadas e eficientes", diz. "A conscientização sozinha não é suficiente. É fundamental que essas ações sejam acompanhadas de medidas mais diretas, como mutirões de limpeza, visitas domiciliares, fiscalização de áreas de risco e o uso de novas tecnologias".
Outro ponto crítico apontado pelo infectologista diz respeito aos atendimentos de casos considerados graves. "Em muitas localidades, ainda há filas extensas e dificuldades de acesso aos serviços de saúde, o que compromete o tratamento oportuno e aumenta a letalidade". Ele também ressalta que "muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas com uma rede de atenção mais preparada, com protocolos bem definidos, capacitação das equipes e agilidade na identificação de sinais de alarme".
Além disso, dr. Naime classifica como "urgente" fazer com que o sistema de saúde seja mais eficiente e menos sobrecarregado. "É preciso garantir que os profissionais de saúde estejam capacitados para reconhecer e tratar a dengue rapidamente", enfatiza.
Ele lembra que o combate à dengue deve ir além da prevenção ao mosquito. "A resposta precisa ser contínua, com um planejamento mais estruturado e com a mobilização social ativa em todos os momentos, e não apenas durante surtos. (...) Precisa ser multifacetado: envolve educação, mobilização social, inovação científica e ação prática em campo. Somente com essa combinação é possível obter resultados mais efetivos e sustentáveis", conclui.