
Ninguém gosta nem de pensar em acordar dentro de um caixão, sem conseguir se mover, gritar ou pedir socorro. Esse pesadelo já assombrou gerações e tem nome: catalepsia.
O distúrbio neurológico, embora extremamente raro, causa episódios de paralisia completa e supressão temporária dos sinais vitais, como batimentos cardíacos e respiração, o que pode levar a diagnósticos errôneos de morte.
Foi esse fenômeno que, por séculos, alimentou lendas urbanas e histórias reais de pessoas que teriam sido enterradas vivas.
Diferente da paralisia do sono
O iG buscou explicações para algo tão raro com dois especialistas.
O neurocirurgião Felipe Mendes lembra que a catalepsia se manifesta principalmente em pessoas com epilepsia ou doenças neurológicas, como Parkinson, e pode ser confundida com um estado de morte aparente.

“O paciente entra em um estado de rigidez muscular, com ausência de movimentos voluntários e, em alguns casos, com sinais vitais tão sutis que não são detectados em avaliações clínicas superficiais”, explica.
O neurologista Ricardo Dornas também reforçou ao iG que o quadro é diferente da paralisia do sono, comum em momentos de transição entre o sono e a vigília.
“Na catalepsia, a rigidez corporal pode durar horas e não está relacionada ao ciclo do sono. O paciente mantém a consciência, mas está preso dentro do próprio corpo, sem conseguir reagir ao ambiente”, afirma.

Um temor histórico: os enterros prematuros

Ilustração de um "caixão de segurança"
A catalepsia contribuiu diretamente para o medo ancestral de ser enterrado vivo, que ganhou força entre os séculos 18 e 19, especialmente na Europa.
Com relatos de pessoas exumadas em posições de desespero dentro dos caixões, famílias passaram a adotar medidas extremas para evitar tragédias.
Entre elas, estavam os chamados "caixões de segurança", equipados com sinos, tubos de ar ou bandeiras que poderiam ser acionados do lado de dentro, caso o suposto morto acordasse.
“Naquela época, os métodos para declarar a morte não eram tão precisos quanto hoje”, comenta Felipe Mendes. “Bastava uma catalepsia para que o paciente fosse considerado morto e enterrado, às vezes ainda com vida.”
Autores como Edgar Allan Poe exploraram esse medo em contos como "O Enterro Prematuro", publicado em 1844, em que o protagonista sofre de catalepsia e vive com o pavor constante de ser sepultado vivo.
A condição também inspirou histórias de terror e lendas urbanas, como a da "loira do banheiro" , uma jovem supostamente enterrada viva após um episódio cataléptico.
Diagnóstico e tratamento
Nos dias atuais, a medicina dispõe de recursos mais precisos para evitar confusões entre catalepsia e morte real.

Exames como eletroencefalograma e eletrocardiograma são fundamentais para detectar a atividade cerebral e cardíaca, mesmo em situações de extrema paralisia.
“Felizmente, os avanços tecnológicos reduziram drasticamente os casos de diagnóstico incorreto de morte”, afirma Ricardo Dornas. “Ainda assim, a catalepsia segue sendo um desafio diagnóstico quando ocorre de forma inesperada e sem histórico neurológico evidente.”
O tratamento depende da causa subjacente. Se relacionada a crises epilépticas, pode-se controlar o distúrbio com medicamentos anticonvulsivantes. Em outros casos, a investigação neurológica é fundamental para entender a origem e prevenir novos episódios.

Casos famosos e mitos persistentes
Embora raros, casos de catalepsia com consequências trágicas ou surpreendentes ainda surgem. No início do século XX, houve relatos de pacientes que "voltaram à vida" durante o velório, causando pânico e assombro entre os presentes.
Em alguns países da América Latina, como o Peru e a Colômbia, histórias populares de pessoas enterradas vivas ainda circulam como advertências sobre a pressa em declarar a morte.
“Boa parte do imaginário coletivo sobre catalepsia está ligada ao medo do desconhecido e ao limite entre a vida e a morte”, observa Mendes. “É um tema que mistura ciência, cultura e mistério.”
Apesar de ser um distúrbio real e documentado pela medicina, a catalepsia continua cercada de mitos. Mas com o avanço da ciência e da tecnologia médica, os riscos de tragédias como enterros prematuros diminuíram drasticamente.